FOLHA DE SP - 09/04
SÃO PAULO - Dá medo o rumo que está tomando a campanha eleitoral na Venezuela. Nicolás Maduro, sucessor designado por Hugo Chávez, diz estar em contato com o ex-mandatário morto, que lhe apareceu na forma de passarinho, e não hesita em fazer insinuações sobre a orientação sexual de seu adversário. Se este é o socialismo do século 21, quero voltar para o século 18.
Pelo menos em seu surgimento, movimentos de esquerda estavam associados ao projeto iluminista de reformar a sociedade tendo por instrumentos a razão e o conhecimento científico. Embora partidos de esquerda nunca se tenham notabilizado pela união, eles eram mais ou menos unânimes em condenar a superstição, a intolerância e os abusos perpetrados pelo Estado e pelas igrejas.
Mesmo em Marx, a crítica ao capitalismo se subordina à ideia de emancipação humana. É preciso mudar as relações de produção para pôr um fim à alienação do trabalho, que afasta o homem de sua verdadeira natureza ("Gattungswesen"). É nesse contexto libertário que o filósofo afirmou que a religião era o ópio do povo.
Pode-se discutir se o projeto de transformação da sociedade faz sentido e até que ponto a natureza humana é maleável. Descobertas no campo da antropologia e da psicologia nas últimas décadas sugerem que, embora a concepção do homem como uma "tabula rasa", como defendia parte da esquerda, esteja equivocada, há espaço para melhorias.
A melhor prova disso é que, graças a avanços científicos e a abordagens mais racionais para problemas econômicos, políticos e judiciários, a humanidade vive uma era de bonança sem precedentes, na qual muito mais pessoas vivem por mais tempo, com mais saúde e submetidas a menos sofrimentos. Extinguimos até chagas milenares como a escravidão.
O discurso de Maduro, ainda que eleitoreiro, trai o que ainda dá para salvar da esquerda, que é a ideia de que o progresso social é possível.
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