FOLHA DE SP - 22/02
Fala-se demais na blogueira por motivos dos mais variados. Qual o subtexto que mais lhe convém?
Impossível não se deixar cativar pela figura da blogueira Yoani Sánchez. Não me lembro de latino-americana tão multifacetada desde que minha tresloucada amiga Buci, digo, Cleide apresentou-me à Mercedes Sosa e ela cantou choramingando na minha orelha: "Ai, la libertaaaaaad!". Isso foi, se bem me recordo, em um almoço na casa da Ruth Escobar, lá pelos idos de 1807, com a Independência do Brasil batendo à porta.
Já que estamos nisso, como podem tratar o que restou do imperador como arqueologia? Queria ver se fosse o avô da museóloga. O homem nem bem esfriou no túmulo e já vai sendo exposto como se fosse um velociraptor. País jovem é isso: qualquer palmeira imperial de 20 anos de idade ganha status de árvore secular.
Mas eu dizia sobre Yoani, que tanto para alegria dela quanto dos irmãos Castro, dos anticastristas em Cuba e de todo mundo que lucra enquanto o regime cubano não mudar e o embargo norte-americano não for retirado, que festas como a desta semana no Brasil continuarão a ser plenamente exitosas. Especialmente levando em conta que Yoani não é nenhum Élian Gonzáles, o garotinho náufrago, mas praticamente desconhecida em seu próprio país. Se até o Eduardo Suplicy conseguiu chamar atenção, é porque o evento foi sacudido.
Não sei se é verdade, mas dizem que Suplicy já estava presente no riacho do Ipiranga tentando empurrar seu livro sobre renda mínima a d. Pedro 1º, para ver se cavava uma foto nos jornais do dia seguinte.
O que sabemos ao certo é que, nesta semana, o petista não desgrudou da blogueira cubana e aproveitou cada momento sob os holofotes para exercitar seu dom, o marketing de si mesmo.
Pois eu vou imitar o Suplicy e colar na Yoani. A motivação será um pouco diversa, mas vejo nela muita legitimidade. Em apenas uma semana, a que passou, eu fui de comentarista de "t-shirt", rodeada de chapinhas em um canal de esportes, para uma perua assumidíssima, de batom e seda pura, em um canal bacanérrimo de enfoque feminino. Iluminada como que por um clarão, eu pude entender por que existem no mundo tantos chicos langs e só uma Marília Gabriela. E porque é tão difícil, afinal, fazer o que ela faz. Alô, Gabi! Retiro todas as críticas a você e peço desculpas encarecidas.
Yoani está na minha barca, a dois palitos de se deixar seduzir pelo brilho do objeto de consumo. Em 2009, para a mais alta patente norte-americana a visitar Cuba em décadas, sabe qual foi o pedido feito pela dissidente de prestígio internacional sem que ninguém as ouvisse? Que a subsecretária Bisa Williams ajudasse a liberar compras via internet.
Escrevo poucas horas antes de ir ter com Yoani -vou mediar um debate seu na Livraria Cultura- e já estou pensando em convidá-la para bater perna comigo na Oscar Freire. Olha só: ninguém aqui está dizendo que ela não sofreu nas mãos do regime ou que Cuba não seja um estado totalitarista, ultrapassado e infame. Torrar dinheiro também não é crime e receber salário do "El País" é tão legítimo quanto respirar ou ter seu próprio tour de popstar patrocinado pela Liga das Senhoras Católicas ou os Anticastristas de Miami, por mais sebosos que eles sejam.
Mas sempre convém entender que yoanis vêm com subtextos. Fala-se tanto na blogueira porque ela critica Cuba e isso serve aos "imperialistas". OK. Mas serve também para desviar atenção de fatos como: 1) estamos esquecendo da lição de que o Brasil nunca mais ia ser leviano com a ameaça da inflação; 2) já não encaramos mais a independência do Banco Central como uma grande conquista; e 3) maquiar contabilidade é gravíssimo.
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