ZERO HORA - 09/12
Já passei a mão no lombo de um leão. Foi quando estive na África, na Copa de 2010. Era um filhote de leão, na verdade. Um leãozinho. Mas se tratava de um bicho robusto, do tamanho de um cachorro, e cheio de dentes dilacerantes. Ele estava numa área reservada para filhotes no Parque dos Leões de Joanesburgo, uma espécie de creche de leões.
Nós, seres humanos, podíamos entrar lá, se quiséssemos, mas isso ficava por nossa conta. No portão de entrada havia uma placa bem grande lembrando que “leões são animais selvagens” e que, se nós entrássemos naquele local, o parque não se responsabilizava pelo que ocorreria.
Isso me deixou um pouco apreensivo. Fiquei ainda mais ao saber que um cinegrafista da Globo foi afagar um daqueles filhotes e o bicho, por algum motivo, se irritou e deu-lhe um tapa. Foi um só, mas bastou para rasgar-lhe primeiro a calça jeans e depois a carne. O cinegrafista foi para o hospital. Hoje ele deve andar pelo Rio contando que foi atacado por um leão na África, sabe como são os cariocas.
Então, entrei no lugar meio sestroso, observando os pequenos leões à distância segura. Havia dezenas deles, espalhados preguiçosamente em grupos de três ou quatro. Irmãos, supus. Ou primos. Encaravam nossa presença com indiferença felina. De qualquer forma, não ia passar a mão em leão nenhum. Para quê? Mas todo mundo estava passando e tirando fotos. Diziam:
– Passa a mão no leão! Passa a mão no leão!
Suspirei, conformado. Não sairia dali sendo chamado de covarde. Pedi para o fotógrafo Emerson Souza preparar a máquina. Escolhi um leãozinho que me pareceu pacífico, deitado indolente sobre uma pedra. Fui chegando perto. Mais perto. Mas não muito perto. Sentei ao lado dele. Ele virou a cabeça e me olhou, piscando sem muito interesse. Levantei o braço. Abri a mão. Pousei-a devagar no pelo do filhote. Esforcei-me para sorrir para a foto. Retirei-a, rápido, e saí dali. Passar a mão em leão, francamente. Pelo menos eu tinha a história para contar, que é o que estou fazendo agora.
Os devoradores de homens
Mas por que venho lembrar essa trepidante aventura animal num 9 de dezembro? Você já deve saber, todo mundo sabe: porque, precisamente nessa data, um dos mais famosos leões da história leonina de todos os tempos foi assassinado a tiros.
A história desse leão, e de um amigo dele, foi contada naquele filme com o Val Kilmer e o Michael Douglas, “A sombra e a escuridão”. Trata-se de um caso verídico. Passou-se no Quênia, que fica a boa distância de Joanesburgo, lá em cima, na, digamos, base do Chifre da África.
Na partilha que os europeus fizeram da África, o Quênia coube aos ingleses. No fim do século 19, eles decidiram cortar parte do país por uma ferrovia. Estavam construindo os trilhos na região do Rio Tsavo, quando esses dois leões, chamados pelos nativos de Sombra e Escuridão, começaram a atacar.
Se você vê National Geographic, está ciente de que pessoas não são o prato preferido dos leões. Não, pessoas são muito magras, com exceção de tipos como o Jô e a Lady Gaga depois que o pai dela montou uma pizzaria. Assim, leões apreciam jantar tenros filhotes de zebras e, muito mais, carnosos gnus. No entanto, Sombra e Escuridão transformaram-se em devoradores de gente.
Desde aquela época, 1898, os cientistas especulam acerca das razões dessa mudança de dieta. Uns acham que os dois leões começaram a comer cadáveres insepultos de escravos e, depois disso, adquiriram o gosto por carne humana. Outros acreditam que as feras tinham problemas dentários, fazendo com que seus dentes doessem quando mordiam o duro pescoço de uma girafa, optando, assim, por arrancar nacos de homens molinhos.
Seja qual for o motivo, eles passaram o ano comendo os trabalhadores da ferrovia. Eram leões gigantescos, maiores do que o normal, com três metros de comprimento. Leões sem juba, ao contrário do que mostra o filme. E o mais estranho: agiam coordenadamente, atacando em dupla, sempre à noite, arrastando os homens para uma caverna e só então jantando-os.
Sombra e Escuridão se repimparam com dezenas de pessoas. Há quem diga que foram 140 mortos. Os quenianos juravam que eram demônios e, desesperados, interromperam o trabalho. Aí entrou em ação o coronel John Patterson, interpretado por Val Kilmer no filme. Ele era um daqueles britânicos valentes do século 19.
Depois de inúmeras tentativas e de quase servir de repasto de leão, desferiu um certeiro tiro de rifle num dos integrantes da dupla e o matou, no dia 9 de dezembro. No fim do ano, matou o outro membro do par. Concluiu a ferrovia em três meses, escreveu livro a respeito, tornou-se herói dos britânicos e dos africanos. Não meu. Eu, aqui, prefiro a Sombra e a Escuridão.
Joanesburgo
Em Joanesburgo, os brancos sentem medo dos negros, e os negros sentem medo dos nigerianos. O medo dos brancos pode ser resumido pela história da Noite da Faca. Que é a seguinte: quando o nonagenário Nelson Mandela morrer, os negros sairão às ruas para enfim se vingar pelos anos de apartheid. Todos eles estarão armados de facas, cutelos, punhais e adagas. Quando encontrarem um branco, qualquer branco, conhecido ou desconhecido, irão retalhá-lo como se fosse um boi de açougue. Terrível.
Já os negros sul-africanos sentem medo dos nigerianos porque as gangues mais perigosas do país são formadas por eles. A Nigéria fica tão distante da África do Sul quanto o Quênia, só que o Quênia está a leste e a Nigéria a oeste do continente. Muitos dos nigerianos são da etnia dos ibos.
Esses ibos uma vez fundaram o estado de Biafra, que, aliás, também é nome daquele sujeito que cantava “voar, voar, subir, subir.” Outra etnia forte da Nigéria é a dos iorubás, os mesmos que vieram (à força, evidentemente) para a Bahia.
É fácil identificar um nigeriano em Joanesburgo. Eles são altos, usam colares e adereços brilhantes, estão debaixo de grandes chapéus e se reúnem em grupos nas esquinas. Ficam observando prováveis vítimas. O maior medo de uma mulher africana é ser sequestrada por uma gangue de nigerianos. Eles capturam uma mulher na sexta, ocupam-se dela no sábado e no domingo, e, na segunda, ou a executam ou a soltam contaminada por HIV.
Joanesburgo é uma cidade dura. Melhor visitar outros lugares da África do Sul.
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