O GLOBO - 09/12
O assunto é sério — e cada vez mais —, porque não se pode voltar ao tempo da ‘conta movimento’, que também transferia dinheiro público sem controle ao Banco do Brasil
Com a implosão do sistema bancário americano, no final de 2008, ondas de choque recessivo se propagaram pelo mundo. Os países se defenderam, para evitar os efeitos da enorme capacidade de arrasto da crise sobre os respectivos sistemas produtivos. No caso do Brasil, entre outras medidas, o Tesouro injetou recursos no BNDES, para manter a roda dos investimentos girando. Nada contra. O problema começou — e tem ficado cada vez maior — porque os “desenvolvimentistas” de Brasília tornaram norma o que deve ser exceção: lançar títulos de dívida, captar recursos e injetá-los no BNDES, e, depois, também em outros bancos estatais (BB e CEF), a fim de alavancar empréstimos para projetos de investimentos e consumo.
As operações são perigosas do ponto de vista fiscal porque, além de elevarem o endividamento publico, embutem um generoso subsídio: na captação do dinheiro, o Tesouro paga a taxa básica, hoje de 7,25%, enquanto o BNDES empresta os recursos a menos que isso (com base na TJLP, fixada em 5% a partir de 1º de janeiro). A diferença fica para a Viúva. Em momentos de emergência, a relação custo/benefício compensa. Mas é no mínimo discutível tornar norma este tipo de repasse.
E os números já são assustadores. O jornal “Valor” teve acesso a cálculos do economista Mansueto de Almeida, do Ipea. Alguns dados preocupantes: em 2007, estes repasses ao BNDES somavam apenas R$ 8,2 bilhões e equivaliam a 0,7% da dívida líquida pública e 0,48% da bruta; em setembro passado, a conta havia atingido R$ 250 bilhões, representando 21,7% da dívida líquida e 13% da bruta, uma enormidade.
Um aspecto grave dessas operações é que elas não são transparentes. Nas demonstrações da contabilidade pública, não aparecem na dívida líquida — indicador mais usado no Brasil no acompanhamento da solvência do país do que a bruta, mais empregada no exterior —, como também não são explicitados como deveriam ser os gastos com o subsídio implícito nos empréstimos feitos pelo BNDES e, de um tempo para cá, BB e CEF.
Com acerto, o Tribunal de Contas da União (TCU), órgão do Congresso, acaba de reclamar a apresentação destes dados e do fato de estas operações ferirem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Como a subvenção incluída nas operações se transforma em despesas obrigatórias por mais de dois anos, pela LRF o subsídio precisa ser compensado por mais impostos e/ou corte de despesas. Faz sentido e atende ao espírito da lei, que é impedir a criação de gastos sem a fonte de custeio. Se a regra não for seguida, rompe-se a responsabilidade fiscal, base da estabilidade econômica.
O TCU calcula que este subsídio chegou a uma média anual de R$ 14 bilhões, mais de dois terços do orçamento do Bolsa Família. O tema é grave e merece atenção, porque não se pode voltar ao tempo da “conta movimento”, a ligação umbilical, e também sem controle, entre o Tesouro e o Banco do Brasil, uma das fontes de alimentação da superinflação na década de 80/início da de 90.
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