FOLHA DE SP - 09/12
Desconcentrar propriedade, em qualquer setor, é bom; o problema é a vingança contra o grupo Clarín
Como em toda guerra, a verdade está sendo a primeira e maior vítima do insano combate entre a presidente Cristina Kirchner e o grupo Clarín. Primeira verdade abatida no combate: a Lei de Mídia, regulamentação do audiovisual aprovada pelo Congresso, é antidemocrática e visa a impor uma ditadura na mídia.
Falso. A lei é bastante ponderada e, acima de tudo, necessária. Busca evitar a concentração de propriedade dos meios de comunicação, o que é altamente saudável.
Basta pensar no Brasil e nos danos que provocou na Bahia e no Maranhão, por exemplo, a hegemonia midiática das famílias Antônio Carlos Magalhães e José Sarney.
O problema com a lei não é ela em si, mas o fato de que está sendo usada para destilar ódio contra o grupo Clarín. E, aqui, entra-se em terreno movediço porque não está clara a razão real do ódio.
Afinal, todas as pessoas razoavelmente informadas na Argentina sabem que, nos tempos de Néstor Kirchner, marido de Cristina e presidente entre 2003 e 2007, havia frequentes reuniões na quinta presidencial de Olivos entre o casal Kirchner e Héctor Magnetto, diretor-executivo do Clarín, nas quais se gabavam de ser o trio mais poderoso do país.
Néstor, aliás, autorizou na véspera de deixar o cargo a fusão de duas operadoras de TV a cabo, com o que o grupo Clarín ficou com a posição dominante que, agora, a lei pretende recortar.
A explicação sempre usada para a ruptura é a de que o jornal pôs-se ao lado dos ruralistas no confronto com Cristina, em 2008.
Não parece motivo tão forte para instalar em Cristina tamanho ódio. Minha sensação -e admito que toda sensação pode ser enganadora- é a de que a presidente está apenas deixando aflorar a clássica tendência peronista de radicalizar amizades e inimizades até o limite da eliminação física, às vezes dentro do próprio peronismo, como aconteceu reiteradamente nos anos 60/70.
Uma segunda vítima dessa guerra é a ideia de que, se for quebrado o que governo chama de "monopólio" do Clarín (que não existe), vozes "progressistas" preencherão o espaço.
Quem avançará é o grupo Uno, de José Luis Manzano, assim descrito por Mario Antonio Santucho, simpatizante da lei e de Cristina, em texto para "Carta Maior", sítio amplamente kirchnerista: "É um ex-funcionário menemista, neoliberal e corrupto de primeira hora". Além disso, "seus empreendimentos comunicacionais são conhecidos pelos maus-tratos e pela exploração aplicados aos jornalistas e técnicos, assim como pelo escasso interesse social de sua programação".
Não dá para esquecer que a etiqueta peronista que Cristina usa carimbou desde os fascistas da Aliança Anticomunista Argentina até os revolucionários Montoneros, capazes de condenar à morte um dos seus, o poeta Juan Gelman, só por ter tido, em certo momento durante a ditadura, a coragem de reconhecer o óbvio: a luta armada fora derrotada e era preciso encontrar outro caminho.
Voltar, agora, a um maniqueísmo parecido é o pior que pode ocorrer à Argentina.
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