domingo, novembro 04, 2012

Mais fins de papo - HUMBERTO WERNECK


O Estado de S.Paulo - 04\11


A fartura de material - como essa gente fala! - me impediu de enterrar na semana passada o assunto das últimas palavras de celebridades. O tema acabou sobrevivendo a Finados e veio render mais conversa neste domingo. Que seja de uma vez por todas.

Chegada a hora, há quem dê a impressão de não compreender o que se passa - caso de Elizabeth, rainha da Áustria, com este suspiro de perplexidade: "O que houve comigo?" Também do czar Nicolau II da Rússia, que ao ouvir a sentença de morte tartamudeou: "O quê? O quê?". Franz Ferdinand, arquiduque da Áustria, minimizou - "Não é nada, não é nada..." - o balaço que além de lhe tirar a vida desencadearia a Primeira Guerra Mundial.

"Apronte a minha fantasia de cisne", pediu a bailarina Anna Pavlova na iminência de cair o pano. Beethoven regeu os que o viam finar-se: "Aplausos, meus amigos, a comédia está encerrada". Mas nem sempre foi possível caprichar no arremate verbal - ainda quando se tratasse de um poeta, como o holandês Gerrit Achterberg, que se despediu em prosa a mais prosaica: "Sim, mas não muitas". A mulher tinha perguntado se deveria assar umas batatas.

Autor de impecáveis decassílabos, Bilac se foi com um verso ruim de nove sílabas: "Dêem-me café, quero escrever". A minutos da tacada coronariana que o encaçaparia no 19.º buraco, Bing Crosby avaliou: "Foi um ótimo jogo, companheiros", referindo-se não à existência prestes a bruxulear, mas à partida de golfe de que acabara de participar.

O jovem ator e dramaturgo Gláucio Gil também não desconfiou do que estava por vir. "Hoje é sexta-feira, 13 de agosto", disse ele ao abrir na Globo o Show da Noite, em 1965. "Dia aziago, mas até agora vai tudo caminhando bem, felizmente" - e então morreu ao vivo, enfartado diante das câmeras.

O humorista Groucho Marx se foi em estado de graça, num sentido ao menos, pois disse à mulher: "Morrer, querida? Isso seria a última coisa que eu faria". Já outro Marx, o barbudo Karl, enfureceu-se quando à beira do leito alguém lhe perguntou quais seriam suas últimas palavras: "Caia fora! Últimas palavras são para tolos que não falaram o bastante!" Não terá sido muito diferente o mood de Winston Churchill, que sem especificar se declarou "de saco cheio de tudo isso". Bem diferente de Oscar Wilde, que perdia a vida mas não a finesse: "Eu e meu papel de parede estamos em um duelo mortal", murmurou. "Um de nós precisa ir." Mais contundente seria o artista plástico Carybé, ao dizer com todas as letras o que aqui precisa limitar-se às iniciais: "P.q.p., me f....!"

No balanço final, Humphrey Bogart viu motivo para lamentar: "Eu nunca deveria ter trocado o scotch pelo martini". Arrependimento semelhante ao de John Maynard Keynes, um dos papas do pensamento capitalista, no instante da inapelável falência: "Eu deveria ter bebido mais champanhe". Já Picasso, aceitando o que em breve pintaria, estimulou os circunstantes: "Bebam a mim, à minha saúde, vocês sabem que já não posso beber".

Alguns, na hora extrema, têm tudo preparado, texto inclusive. "Quando a música acabar, apaguem as luzes", ordenou Hitler a uns gatos-pingados do nazismo antes de suicidar-se. Também habituado a mandar, Mussolini foi capo até o fim, chegando a orientar o carrasco: "Atire no peito!".

Tinha fala pronta o político cubano Eddy Chibás quando em 1951 decidiu matar-se num programa de rádio, por não ter conseguido provar acusações contra um ministro. "Esta é minha última aldravada!", bradou ao microfone, e puxou o gatilho. Referia-se às metafóricas batidas na porta com que buscava despertar a consciência dos concidadãos. Mas suas palavras lapidares não chegaram aos ouvintes: Chibás tendo estourado o tempo antes de estourar as vísceras, a emissora cortou sua fala - e pôs no ar um anúncio de Café Pilón, "saboroso até a última gota".

Quanto a este cronista, nem por sua exemplar modéstia fará por merecer que lhe registrem as últimas palavras. Que poderiam ser estas: "Então era isso?!"

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