O GLOBO - 04\11
Dois eleitores de peso votarão em Barack Obama esta terça-feira. Um deles, Bill Clinton, já ocupou a Casa Branca duas vezes, é a sedução em pessoa do lado democrata e levará o troféu de cabo eleitoral mais decisivo caso Obama consiga se reeleger.
O outro não tem filiação partidária. É Michael Bloomberg, o prefeito bilionário de Nova York, que até anteontem integrava o esquálido bloco dos indecisos, mas pendia para Mitt Romney. No rastro da devastação provocada pelo furacão Sandy, contudo, e de olho numa eventual candidatura própria em 2016, Bloomberg anunciou que votaria em Obama, chacoalhando o tabuleiro eleitoral.
Nesta eleição, Clinton e Bloomberg são apenas aliados de ocasião. Longe da politica, porém, eles têm em comum algo mais duradouro e prazeroso: a devoção a um senhorzinho de farta cabeleira branca e biografia excepcional chamado Martin Greenfield.
Dado que Greenfield também conta com o apreço irrestrito de toda uma legião de republicanos de raiz, como George W. Bush, a hora é boa para se contar a história desse personagem que saiu da morte para a vida e deve achar miudeza o atual embate entre Obama e Romney.
Martin Greenfield nasceu 84 anos atrás num vilarejo do que é hoje a República Checa e foi em Pavlovo que passou a infância. Seus anos de ginásio foram vividos em campos de concentração nazistas. Primeiro, em Auschwitz, para onde foi deportado com pai, mãe e três irmãos, às vésperas de comemorar seu bar-mitzvah. Depois, para Buchenwald. Sobreviveu a ambos. Seus familiares, não.
Da libertação, em abril de 1945, duas lembranças lhe são particularmente caras. Estava de pé ao lado de outro garoto esquelético quando o general Dwight Eisenhower, que comandava as tropas aliadas na Europa, lhes estendeu a mão. Greenfield, então com 17 anos, nunca tinha visto um adulto que lhe parecesse tão imponente. "Olhei para cima e pensei que o general media 3 metros de altura", relembra. O moleque emaciado a seu lado era o futuro Prêmio Nobel da Paz, Elie Wiesel.
O segundo impacto foi quando Eisenhower obrigou os moradores alemães das redondezas, que conviveram normalmente com a existência do campo da morte, a se dirigirem até o local e testemunharem as montanhas de cadáveres e esqueletos vivos.
Foi graças a um tio que o colocou num navio rumo à América que o jovem imigrante Greenfield desabrochou. Estava com 19 anos de idade. Começou como office boy numa fábrica de tecidos do Brooklyn, em Nova York, e logo aprendeu o ofício de alfaiate.
Pegou o trem para Washington numa de suas primeiras viagens no país de adoção. Ficou maravilhado com os museus e monumentos da capital e entabulou conversa com um frequentador da National Gallery, que quis saber de onde vinha aquele jovem visitante. Greenfield, temeroso de não se fazer compreender no seu inglês ainda claudicante, mostrou o braço com a tatuagem de prisioneiro de campo nazista. Foi a grande virada. Quis o destino que seu interlocutor fosse o senador Alben Barkley, um dos primeiros políticos americanos a visitar Buchenwald. Tornaram-se amigos, e o senador não o esqueceu quando assumiu a vice-presidência de Harry Truman em 1949.
Primeiro cliente poderoso do alfaiate Greenfield, Barkley ainda o recomendou a Eisenhower quando este assumiu o comando da nação. "Ike" nunca mais deixaria de envergar um corte confeccionado pelo prisioneiro que libertou em Buchenwald. Detalhe: o alfaiate costumava inserir no bolso do paletó enviado à Casa Branca algum bilhete pessoal endereçado ao presidente.
Greenfield casou, tem dois filhos que trabalham a seu lado na fábrica que agora é sua, e fez dela o ateliê de alfaiataria mais cotejado por quem precisa se vestir bem. Jamais mudou de endereço ou deu ares fashion às instalações, onde equipamentos modernos se misturam a máquinas de costura Singer 1938. A fábrica que hoje tem 117 empregados continua fincada no mesmo prédio de quatro andares de um setor degradado do Brooklyn. Já foi arrombada onze vezes.
Sindicalista roxo, Greenfield tem uma invejada lista de clientes que vai do chefe de polícia de Nova York, Ray Kelly (possível candidato à prefeitura de Nova York em 2013), ao ex-secretário da Defesa , Donald Rumsfeld, passando pelo ex-secretário de Estado Colin Powell, que considera as sessões de prova um prazer.
Recente perfil do personagem publicado no "Washington Post" revela que Greenfield estava agendado para um encontro com George W. Bush no dia 11 de setembro de 2001. Faltou pouco, portanto, para o alfaiate estar na Casa Branca quando as Torres Gêmeas vieram abaixo e o Pentágono foi atacado.
Foi Greenfield, também, quem ensinou Bill Clinton a envergar o fraque confeccionado especialmente para a festa de posse do democrata, em 1992. Clinton teria ficado tão satisfeito que já comprou mais de vinte outras peças sobre medida no ateliê do Brooklyn (239, Varet Street). Dali também saíram as versões à prova de bala para os ternos de três peças de outro presidente dos Estados Unidos, Gerald Ford (1974-1977).
Segundo o artigo do Post, Martin Greenfield e os dois filhos já foram recebidos pelo menos uma vez, em fevereiro do ano passado, no casarão branco número 1.600, da Pennsylvania Avenue. Se Barack Obama não for reeleito nessa votação que se anuncia tão eletrizante quanto tumultuada, não será por falta de um bom terno.
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