O que importa são as sensações que a pessoa experimenta, mediante as situações que Lygia provoca
Faz pouco, escrevi aqui acerca da experiência estética de Lygia Clark, a propósito da exposição de sua obra realizada no Itaú Cultural. Fui convidado a dar um depoimento acerca de sua experiência estética no recinto da exposição, ilustrando minhas observações com as obras expostas.
Esse convite naturalmente me levou a voltar a refletir sobre a experiência radical, realizada pela artista ao longo de sua vida. Pois bem, muito embora tenha escrito muito e refletido sobre seus trabalhos em tantas ocasiões, deparei-me agora com uma nova observação que, se não me engano, ainda não foi feita por nenhum dos analistas de sua obra. É isso que me traz de novo a escrever sobre ela.
Para que o leitor entenda o que desejo expor, é necessário retomar algumas das observações feitas na crônica anterior. Como tenho observado, a experiência de Lygia Clark tem afinidade com a arte de Kasimir Malevitch, muito embora ele a tenha realizado nas duas primeiras décadas do século 20, ou seja, 50 anos antes da artista brasileira.
Trata-se, evidentemente, de uma leitura minha, que toma por base a contradição figura-fundo, que levara Malevitch, após o seu célebre quadro "Branco sobre Branco", a abandonar a tela e a passar a construir no espaço real as suas famosas "Construções Suprematistas".
Lygia, por outros caminhos, chegou ao mesmo impasse e, como ele, também abandona a tela para construir no espaço real. Essas construções são os "Bichos", esculturas manuseáveis, que constituem o momento limite de sua experiência.
O fator essencial dos "Bichos" é a participação do espectador na obra de arte, o que a diferencia fundamentalmente de Malevitch. Essa participação é uma inovação da arte neoconcreta que, com Lygia Clark, ganha um significado especial. E aqui começa a nova observação que fiz a propósito de sua experiência estética.
A participação do espectador na obra de arte, possibilitando-lhe manusear a obra, implica uma mudança radical dessa relação obra-espectador: ele deixa de ser mero espectador e sai da relação visual com a obra para estabelecer com ela um relacionamento corporal.
Até aqui nada de novo. Tenho dito que a participação do espectador foi a resposta dos neoconcretistas ao concretismo, que reduzira a experiência estética à exploração das possibilidades do campo visual. Max Bill observou, certa vez, que seu objetivo era explorar as tensões do campo visual, ou seja, estava mais interessado em realizar uma experiência ótica do que criar uma obra de arte.
Noutras palavras, o concretismo elimina da pintura toda e qualquer subjetividade, levando-a a tornar-se apenas uma experiência ótica.
O neoconcretismo, se não buscou reintroduzir o fator subjetivo na expressão pictórica, realizou uma radical subversão ao tornar a experiência estética um corpo a corpo do espectador com a obra. Isso está não apenas nas obras de Lygia e Oiticica, como também nos poemas-objeto.
Essa era a minha compreensão da experiência neoconcreta, entendendo a participação do espectador -o manuseio da obra- como elemento complementar da experiência visual. Por exemplo, um "Bicho" da Lygia é manuseável, mas não deixa de ter também uma estrutura visual que, ao ser manuseada, muda, revela suas potencialidades.
A minha descoberta atual consiste em ter percebido que Lygia abandonou essa forma -ou seja, a obra de arte- para mergulhar numa aventura sem obra, isto é, numa atividade que não visava criar uma obra de arte, manipulável ou não.
A partir daquele momento, ela não pretendia mais, como todo artista, criar um objeto estético. Ela diz então que "o ato é a obra". Noutras palavras, se a pessoa corta a fita de Moebius com uma tesoura, esse ato já é a obra. Sucede que ela vai adiante: cria um túnel de seda onde a pessoa entra. Esse entrar é o que importa. Noutras palavras, o que importa são as sensações que a pessoa experimenta, mediante as situações que Lygia provoca.
No extremo a que chegou, tenta apreender as significações, jamais traduzíveis em formas ou palavras, do que o corpo sente enquanto corpo. Não pretende nem criar uma obra de arte nem conceitualizar a experiência: ela quer experimentar o mistério do corpo, anterior a toda formulação. Isso é, na verdade, desistir da arte. Resta, depois disso, reinventá-la, porque sem ela a vida é mais pobre.
Esse convite naturalmente me levou a voltar a refletir sobre a experiência radical, realizada pela artista ao longo de sua vida. Pois bem, muito embora tenha escrito muito e refletido sobre seus trabalhos em tantas ocasiões, deparei-me agora com uma nova observação que, se não me engano, ainda não foi feita por nenhum dos analistas de sua obra. É isso que me traz de novo a escrever sobre ela.
Para que o leitor entenda o que desejo expor, é necessário retomar algumas das observações feitas na crônica anterior. Como tenho observado, a experiência de Lygia Clark tem afinidade com a arte de Kasimir Malevitch, muito embora ele a tenha realizado nas duas primeiras décadas do século 20, ou seja, 50 anos antes da artista brasileira.
Trata-se, evidentemente, de uma leitura minha, que toma por base a contradição figura-fundo, que levara Malevitch, após o seu célebre quadro "Branco sobre Branco", a abandonar a tela e a passar a construir no espaço real as suas famosas "Construções Suprematistas".
Lygia, por outros caminhos, chegou ao mesmo impasse e, como ele, também abandona a tela para construir no espaço real. Essas construções são os "Bichos", esculturas manuseáveis, que constituem o momento limite de sua experiência.
O fator essencial dos "Bichos" é a participação do espectador na obra de arte, o que a diferencia fundamentalmente de Malevitch. Essa participação é uma inovação da arte neoconcreta que, com Lygia Clark, ganha um significado especial. E aqui começa a nova observação que fiz a propósito de sua experiência estética.
A participação do espectador na obra de arte, possibilitando-lhe manusear a obra, implica uma mudança radical dessa relação obra-espectador: ele deixa de ser mero espectador e sai da relação visual com a obra para estabelecer com ela um relacionamento corporal.
Até aqui nada de novo. Tenho dito que a participação do espectador foi a resposta dos neoconcretistas ao concretismo, que reduzira a experiência estética à exploração das possibilidades do campo visual. Max Bill observou, certa vez, que seu objetivo era explorar as tensões do campo visual, ou seja, estava mais interessado em realizar uma experiência ótica do que criar uma obra de arte.
Noutras palavras, o concretismo elimina da pintura toda e qualquer subjetividade, levando-a a tornar-se apenas uma experiência ótica.
O neoconcretismo, se não buscou reintroduzir o fator subjetivo na expressão pictórica, realizou uma radical subversão ao tornar a experiência estética um corpo a corpo do espectador com a obra. Isso está não apenas nas obras de Lygia e Oiticica, como também nos poemas-objeto.
Essa era a minha compreensão da experiência neoconcreta, entendendo a participação do espectador -o manuseio da obra- como elemento complementar da experiência visual. Por exemplo, um "Bicho" da Lygia é manuseável, mas não deixa de ter também uma estrutura visual que, ao ser manuseada, muda, revela suas potencialidades.
A minha descoberta atual consiste em ter percebido que Lygia abandonou essa forma -ou seja, a obra de arte- para mergulhar numa aventura sem obra, isto é, numa atividade que não visava criar uma obra de arte, manipulável ou não.
A partir daquele momento, ela não pretendia mais, como todo artista, criar um objeto estético. Ela diz então que "o ato é a obra". Noutras palavras, se a pessoa corta a fita de Moebius com uma tesoura, esse ato já é a obra. Sucede que ela vai adiante: cria um túnel de seda onde a pessoa entra. Esse entrar é o que importa. Noutras palavras, o que importa são as sensações que a pessoa experimenta, mediante as situações que Lygia provoca.
No extremo a que chegou, tenta apreender as significações, jamais traduzíveis em formas ou palavras, do que o corpo sente enquanto corpo. Não pretende nem criar uma obra de arte nem conceitualizar a experiência: ela quer experimentar o mistério do corpo, anterior a toda formulação. Isso é, na verdade, desistir da arte. Resta, depois disso, reinventá-la, porque sem ela a vida é mais pobre.
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