CORREIO BRAZILIENSE - 11/07
Não foi fácil apear do poder os usurpadores que ali se instalaram durante o regime militar no Brasil. De acordo com as estatísticas oficiais, tombaram nesse caminho 457 pessoas. Elas são reconhecidas hoje como assassinadas ou desaparecidas. Outras, aproximadamente 120, foram vítimas de ações de militantes de esquerda. Alguns dos mortos eram agentes do Estado, mas nem todos ligados à repressão. Outros eram simplesmente pessoas que tiveram o azar de estar andando pelo lugar errado, na hora errada.
Os atos ilegítimos de uma parte da esquerda não maculam os esforços contra a repressão. Ao contrário. Ajudam a dar a dimensão do quanto foi difícil a empreitada dos que se empenharam a democratizar o Brasil, por meio de ações grandes ou pequenas. Além de atuar contra o autoritarismo, tiveram de lidar com as contradições da minoria que via nos fins justificava para quaisquer meios.
Não se pode dizer que a tarefa de transformar o Brasil em uma democracia já tenha se consolidado. Falta a muitos brasileiros acesso à saúde, à segurança, à educação e à informação. Como consequência, sobra corrupção. Não é possível se contentar com o que temos.
A tarefa de desmantelar o regime militar tampouco se completou. Ainda é necessário conhecer muitos dos fatos da época, um trabalho difícil tanto pelo tempo transcorrido quanto pelos obstáculos criados por pessoas que temem a verdade.
Só no fim do ano passado, 25 anos depois de o último presidente militar deixar o Planalto, foi aprovada a Lei de Acesso à Informação. E ainda demorou muito para que ela fosse colocada em prática: só no mês passado foi possível cobrar do Estado o acesso a documentos em sua posse.
Desde então, jornalistas do Correio e de outros órgãos de imprensa têm esquadrinhado tudo o que pode ser de interesse dos cidadãos sob o pó nas prateleiras. Grande parte das informações que ganham a luz do dia refere-se aos atos arbitrários cometidos durante o regime militar.
Eis que, depois de tanto esforço, surge um novo obstáculo. Servidores públicos em greve têm impedido sistematicamente o acesso ao Arquivo Nacional, no Setor de Indústria Gráfica, onde está um dos maiores mananciais de papéis das duas décadas do regime. Os piqueteiros cobram dos jornalistas que pressionem o governo para que tenham aumento de salário.
É uma imensa ironia. Graças ao esforço para democratizar o país, que resultou, entre outras conquistas, na garantia ao direito de greve, os servidores podem protestar para que suas reivindicações sejam atendidas. Mas ao fazer isso de forma irresponsável, estão minando o direito de outros brasileiros à informação.
O bloqueio atrapalha o processo de reconciliação do país com o passado. E não é o único obstáculo que cria à consolidação da democracia. Afinal, os documentos do Arquivo Nacional vão muito além da era autoritária. A Lei da Transparência é instrumento fundamental para identificar falcatruas de pessoas que ainda podem responder por seus atos.
Uma das críticas que se faz às greves é o fato de esconderem intenções políticas. Pois aqui, o que se vê é exatamente o contrário: a falta de compreensão das consequências políticas envolvida no bloqueio do acesso de jornalistas ao Arquivo Nacional. O conceito de alienação, explorado por muitos teóricos marxistas, ajuda a compreender tal equívoco.
A ideia de que jornalistas devem pressionar o governo para aumentar salários de servidores revela outra grande lacuna de conhecimento sobre a função institucional da imprensa. O que cabe a ela é mostrar os fatos que importam. Por exemplo, como se fez na edição de segunda do Correio, ao mostrar a disparidade de vencimento entre servidores públicos do Executivo federal. A reportagem pode ajudar a briga dos funcionários do Arquivo Nacional, ainda que não tenha esse propósito.
Há que se fazer um esforço, porém, para compreender a falta de comprensão dos piqueteiros. Afinal, a geração deles foi sacrificada pela má qualidade da educação. É um dos legados do regime militar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário