Folha de sp - 11/07
RIO DE JANEIRO - A atriz Anna Karina está chegando ao Brasil para um festival de cinema em Brasília. Em outros tempos, 1965, 1966, a notícia de sua presença em espaço aéreo brasileiro bastaria para acelerar os corações em todos os cinemas de arte, botequins e Redações cariocas. Anna não era bonita, nem precisava -era mulher de Jean-Luc Godard, estrela de seus filmes, musa da nouvelle vague e capa quase cativa da revista "Cahiers du Cinéma".
Com Godard, Karina filmou, entre outros, "Uma Mulher é Uma Mulher" (1961), "Viver a Vida" (1962) e "Pierrot le Fou" (1965). Tinha de dividir a tela com os pôsteres, letreiros, capas de livros e outras bossas que Godard inseria em suas cenas. Mas, às vezes, ele a deixava em close por cinco minutos ouvindo "Tu T"laisses Aller" num jukebox, com Aznavour, em "Uma Mulher é Uma Mulher", ou o conto "O Retrato Oval", de Poe, com a voz dele, Godard, em "Viver a Vida". Éramos loucos por aqueles filmes, não havia nada mais moderno.
Então as coisas se inverteram. O cinema brasileiro foi descoberto pela "Cahiers" e começou a ganhar palmas, ursos e leões de ouro nos festivais europeus. Nossos cineastas e atores iam a Roma, Paris e Cannes como quem ia a Madureira e ficaram íntimos de Rossellini, Buñuel, Antonioni. Alguns até namoraram as atrizes dos mestres.
Em certo momento, virou tudo uma coisa só: o Quartier Latin, Ipanema, fumar Gitanes sem filtro, ir ao Paissandu. Um crítico brasileiro nunca mais tomou banho. Culminou quando uma revista publicou fotos de Glauber Rocha e Godard batendo bola num campinho em Roma. Glauber chutava e Godard defendia.
Foi bom, mas durou pouco. A nouvelle vague acabou, e o cinema novo, também. Duas gerações se passaram. Anna Karina ameaça ser confundida em Brasília com Greta Garbo e lhe perguntarem se ela veio do cinema mudo.
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