A rebelião do PDMB -maior partido da base aliada - contra a pretensão hegemônica do PT no governo Dilma Rousseff e nos Estados entra na lista dos "fios desencapados" que atormentam o Palácio do Planalto e preocupam os mercados. O foco dos agentes econômicos não é propriamente a disputa política envolvida nessa trama nem os seus desdobramentos na reforma ministerial, mas o risco que o governo incorre de "tomar uma bola nas costas" do Congresso.
São pelo menos dois os temas que lá tramitam e que o PMDB - encorpado por sete partidos da base aliada e um da oposição (Solidariedade), que se juntaram sob o nome "blocão"-pode aprovar, deixando um bom estrago para Dilma resolver: a derrubada do veto da presidente ao projeto que abre as porteiras para a criação de centenas de municípios; e a aprovação da mudança do indexador das dívidas dos Estados e municípios retroativa ao ano de assinatura dos contratos de renegociação com a União.
Soma-se a esses dois projetos que têm potencial de forte aumento do gasto público a criação de uma comissão externa de investigação envolvendo denúncias de corrupção na Petrobras. Das gavetas do Parlamento sempre se pode sacar algum outro tema espinhoso para o Executivo.
"A encrenca no Congresso é grande. Se rejeitarem o veto da presidente, volta à tona a questão do rebaixamento do "rating" do Brasil", comentou um economista do setor privado para quem o programa fiscal recém-anunciado deu uma trégua ao risco de rebaixamento do grau de investimento do país.
Atentos aos movimentos do PMDB, vários economistas e analistas de mercado procuram medir nas rachaduras partidárias e nas insatisfações do próprio PT com Dilma a força do "Volta Lula".
Em fevereiro, mal ou bem o governo da presidente Dilma saltou três obstáculos: a elaboração e divulgação do programa fiscal para 2014; o anúncio do sofrível balanço da Petrobras e a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que reduziu o ritmo da elevação da taxa Selic.
Passado o Carnaval, as atenções voltam-se também para os outros "fios desencapados" que colocam pedras nos caminhos do governo: a crise de energia e os custos ainda não dimensionados do uso constante das usinas térmicas, os destinos dos preços congelados (combustíveis e energia) e seus impactos sobre a inflação e o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos planos econômicos e a correção da poupança, dentre outros.
Para esse último, o Supremo havia marcado 12 de março como data de desfecho. Ontem o assunto não constava da pauta. Essa, porém, contém duas outras ações de grande repercussão econômica, como o pedido de indenização bilionária da Va r i g pelo congelamento de tarifas durante o Plano Cruzado; e a definição sobre como devem ser pagos os precatórios. Ambas as contas são estimadas em R$ 6 bilhões e R$ 94 bilhões, respectivamente.
As fissuras na base aliada não são alimentadas só pelos parlamentares que não receberam suas emendas ao Orçamento nem conseguiram aprovar projetos de interesse dos prefeitos e não têm, portanto, muito o que mostrar aos seus eleitores. Há problemas na montagem de quase todos os palanques estaduais, onde os casos mais estridentes são os do Rio de Janeiro e do Ceará; e a distribuição de cargos na pequena reforma ministerial, tal como Dilma concebeu, que não agrada ao PMDB. Vendo-se preteridos, líderes do partido do vice-presidente Michel Temer falam até em deixar a aliança que elegeu Lula por duas vezes e levou Dilma ao Palácio do Planalto.
Em novembro de 2013, a presidente vetou todo o projeto de Lei Complementar 98/2002, aprovado pelo Senado em outubro, que regulamenta a fusão, criação e desmembramento de municípios. Pelas regras do projeto, poderiam ser criados 188 novos municípios, segundo cálculos do Congresso, ou 363 conforme estudos do Ipea. A Emenda Constitucional no 15 congelou a criação de municípios até a definição de critérios nacionais, o que foi feito pelo Senado em outubro.
A presidente justificou o veto com base na análise do Ministério da Fazenda, de aumento inoportuno do gasto público. Cada novo município é um foco multiplicador de despesas com a criação do Executivo, a Câmara de Vereadores, a estrutura do Judiciário, sem qualquer geração de receitas. Em geral, vão viver da partilha do Fundo de Participação, subtraindo receitas de outros municípios.
No caso da troca do indexador da dívida dos Estados e municípios, originalmente o governo foi favorável inclusive à retroatividade da medida. A reação dos mercados e das agências de "rating" ao que foi avaliado como frouxidão fiscal levou o governo a interromper a tramitação da proposta.
O "blocão", agora, acena com a aprovação do projeto que daria uma folga financeira a vários municípios, mas, sobretudo, à Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Fernando Haddad, do PT. O prefeito de São Bernardo do Campo (SP), Luiz Marinho, também do PT, disse recentemente que a rebelião da base aliada do governo na Câmara pode abrir uma "j a n e l a" para que seja negociada a aprovação do projeto que muda o indexador da dívida dos Estados e municípios.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já avisou que o governo pode retirar o projeto se o Congresso insistir em aprovar o texto com a mudança retroativa do indexador.
Lula esteve em Brasília na Quarta-feira de Cinzas para uma reunião com Dilma e o comando da campanha da reeleição, destinada a reduzir os atritos dos partidos com o governo. Ontem, o Palácio do Planalto deu indicações de que vai prosseguir na reforma ministerial, mas manterá a pasta do Turismo nas mãos do PMDB.
No PT, há quem não veja qualquer problema na saída do PMDB da base aliada. Assim como há quem veja nas restrições que o setor privado faz à decisões do governo somente uma reação a interesses contrariados.
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