O GLOBO - 20/01
É deletéria para a sociedade a impressão de que o crime compensa. Ao cidadão que cumpre a lei no dia a dia, a notícia de que quem transgride não recebe punição — dentro de prazo razoável — traz a descrença nas instituições e a sensação de que a Justiça não funciona. É assim que se sente a maioria dos brasileiros ao saber que réus ricos escapam da prisão por tempo indeterminado porque contratam advogados capazes de lhes assegurar quantos recursos protelatórios contra suas condenações as brechas da lei permitirem.
Obviamente, esses recursos estão previstos no devido processo legal e, em alguns casos, resguardam o legítimo — e inquestionável — direito à ampla defesa. Mas também servem para adiar indefinidamente as punições e agravar o mal crônico da lentidão da Justiça.
O ex-prefeito, ex-governador e ex-candidato a presidente Paulo Maluf, por exemplo, foi condenado por improbidade administrativa pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em novembro do ano passado, sob a acusação de ter desviado dinheiro de obra de abertura do Túnel Ayrton Senna, quando esteve na prefeitura de São Paulo entre 1993 e 1996. Seus advogados exploram todas as possibilidades da lei para protelar a punição desde a primeira condenação, em 2009, e ainda podem recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal. E assim se passaram duas décadas.
Da mesma forma, os fiscais da Receita estadual envolvidos no escândalo do propinoduto, tendo à frente o subsecretário adjunto de Administração Tributária no governo Anthony Garotinho, Rodrigo Silveirinha, foram condenados em outubro de 2003, tendo a sentença confirmada em 2007 pelo Tribunal Regional Federal. Mas recorreram ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, impedindo a repatriação de US$ 34 milhões enviados para a Suíça, o que só pode ser feito após um veredicto final.
Por essas e outras é que o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Jorge Hage, já afirmou que, em caso de acusados endinheirados, no Brasil os processos só chegam ao fim em menos de 20 anos se o acusado quiser.
Mas há sinais de que a impaciência da sociedade começa a chegar aos meios forenses. No julgamento dos mensaleiros, figurões foram condenados — contrariando expectativas — à prisão, apesar das muitas possibilidades de recursos protelatórios à disposição dos melhores advogados do país a serviço dos réus. O ministro Luís Roberto Barroso, no debate sobre os embargos, propôs que, constatada a manobra da defesa, o processo fosse considerado “transitado em julgado”, recebendo assim o veredicto final. “Temos que terminar com a prática de que o devido processo legal é aquele que não termina’’, disse, ressalvando não se referir à Ação Penal 470.
Por mais amplo que seja o direito de defesa, chega a hora em que os recursos só servem para aumentar a sensação de impunidade.
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