O Estado de S.Paulo - 20/01
Por que, em um ano de resultados excepcionalmente bons, a Caixa Econômica Federal (CEF) lançou mão de uma manobra contábil que engordou ainda mais seus lucros e aumentou os pagamentos de dividendos ao governo federal, mas acabou provocando desconfianças a respeito de seus métodos de gestão e dúvidas sobre a confiabilidade da caderneta de poupança, a aplicação mais popular do País?
Essa pergunta, que continua sem resposta, foi suscitada pela decisão, tomada pela instituição em 2012, de encerrar cerca de 500 mil contas de caderneta de poupança que apresentavam irregularidades - e não eram movimentadas havia vários anos - e lançar todo o saldo existente, de R$ 719 milhões, como resultado. Descontado o Imposto de Renda, a manobra resultou em lucro líquido de R$ 420 milhões. Por determinação do Banco Central (BC), no entanto, esse valor terá de ser abatido nas demonstrações contábeis de 2013.
A divulgação dessa manobra pela revista IstoÉ, que a chamou de "o confisco secreto da Caixa", e a repercussão que ela alcançou em outros veículos de comunicação teriam levado a presidente Dilma Rousseff a, em pleno fim de semana, cobrar explicações do BC. A rápida reação da presidente teria o objetivo de evitar que o temor de novos "confiscos" provocasse uma corrida aos bancos, como a que ocorreu no ano passado, quando houve uma onda de boatos a respeito da suspensão de pagamentos do programa Bolsa Família.
Além disso, havia o risco de o episódio comprometer a confiabilidade da caderneta de poupança, que continua sendo a aplicação preferida por milhões de brasileiros. Coincidentemente, poucos dias antes da publicação da reportagem sobre a manobra da CEF, o BC tinha divulgado os extraordinários resultados das cadernetas de poupança em 2013. No ano passado, a captação líquida (depósitos menos saques) alcançou o valor recorde de R$ 71 bilhões, 43% mais do que em 2012, o que elevou o saldo para R$ 597,9 bilhões, também um recorde, e resultou no pagamento de R$ 30,6 bilhões em rendimentos.
Numa nota de esclarecimento inusitadamente divulgada numa tarde de domingo (12/1), o BC informou que não se tratou de "confisco", pois não haverá prejuízo para os poupadores, e que os regulamentos do sistema financeiro determinam o encerramento de contas irregulares, assegurado o direito dos clientes de, a qualquer tempo, sacar o saldo existente, desde que regularizem sua situação. O BC explicou ainda que a Caixa "está providenciando a regularização de alguns dos procedimentos internos utilizados no encerramento de contas irregulares, bem como ajustes contábeis no seu balanço". Ainda não se sabe como ficará o imposto recolhido sobre esse lucro que, na realidade, nunca existiu, porque a CEF não podia lançar como resultado um dinheiro que não é seu.
A diretoria da Caixa argumenta que, com base nos regulamentos em vigor, deveria encerrar as contas nas quais detectou a existência de irregularidades. Em nota que divulgou antes da publicação da reportagem pela revista, informou que, das 496.776 contas encerradas, quase 86% estavam sem movimentação há mais de dez anos e apenas 1,55% tinha alguma movimentação nos últimos cinco anos.
Assim, "considerando-se que a obrigação é remota, ante a baixa probabilidade de saída do recurso, os valores reconhecidos como um passivo referente às contas de depósitos com irregularidades cadastradas foram levados a resultado". Ou seja, como a baixa movimentação dessas contas sugeria que era pequena a probabilidade de seus titulares sacarem o saldo existente, a instituição transformou em lucro o que, de fato, é um passivo.
A legislação obriga a instituição a encerrar contas com irregularidades, mas não diz o que ela deve fazer com o saldo dessas contas. A Caixa, nesse caso, entendeu que poderia lançá-lo como resultado, sem, no entanto, deixar de reconhecer o direito do titular, pois o dinheiro continuaria registrado como sendo dele.
Alguns interpretaram a decisão da instituição como parte das práticas do governo Dilma de, por meio de manobras contábeis, inflar os resultados fiscais - que têm sido criticados justamente porque boa parte deles resulta de criatividade contábil, não de efetivo controle de despesas. A exclusão de determinadas despesas dos gastos totais, a apropriação antecipada de dividendos de empresas estatais, o adiamento do lançamento de outras despesas para que elas só sejam quitadas no exercício seguinte - quando então serão efetivamente contabilizadas -, a isenção do governo federal da responsabilidade de cobrir os eventuais maus resultados fiscais dos Estados e dos municípios estão entre as muitas práticas que distorcem a política fiscal, mascaram seus resultados e a tornam menos confiável. Tendo lançado mão de tantas artimanhas, por que o governo não usaria mais uma?
É possível, mas não parece muito provável que o governo tenha agido desse modo, pois os ganhos decorrentes dessa operação foram pouco expressivos. Em 2012, a Caixa registrou o maior lucro de sua história, de R$ 6,06 bilhões. Os R$ 420 milhões adicionais proporcionados pela apropriação contábil do saldo das cadernetas irregulares representam 7% do lucro total. Mesmo sem esse acréscimo o lucro teria sido recorde. Além disso, no exercício de 2012, a CEF pagou para o Tesouro dividendos recordes de R$ 7,49 bilhões, referentes a diversos exercícios. O que coube ao governo dos R$ 420 milhões é muito pouco, se comparado com esses números.
Se não foi para melhorar os resultados fiscais, por que terá a Caixa feito essa operação contábil em 2012?
Como não se sabe a resposta, o episódio recomenda que, como a regulamentação atual não diz claramente o que deve ser feito com o saldo das contas com irregularidades, o depositante acompanhe com atenção o que ocorre com a sua - mesmo que não seja na Caixa, pois há informações de que outras instituições de grande porte fizeram a mesma coisa.
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