FOLHA DE SP - 02/01
O objetivo seria "tumultuar, pegar geral, se divertir, sem roubos". Assim é definido, por seus próprios participantes, o "rolezinho", que chegou a reunir 6.000 jovens da periferia numa única ocasião.
No dia 7 de dezembro, foi esse o número dos que atenderam à convocação das redes sociais para um encontro num shopping paulistano. Também a polícia compareceu, como é recomendável e de praxe em aglomerações dessa monta.
Parte dos frequentadores do centro comercial assustou-se com a cena, que, sem ser prenúncio de atividade criminosa, não escondia suas intenções contestatárias.
Trata-se de questionar a cultura do consumo, o exclusivismo dos espaços frequentados pelas classes abastadas e a suposta discriminação racial que lhe seria subjacente.
"É arrastão", exclamou alguém. Deu-se o corre-corre, e quatro jovens terminaram sendo encaminhados à delegacia mais próxima.
Conseguiu-se, assim, colocar o "preconceito social" em primeiro plano. Mas é de perguntar o quanto há de discriminatório na atitude dos que, cientes do risco real de arrastões e vandalismo no Brasil, entraram em pânico ao ver tantos jovens num mesmo lugar, com intenções não de todo explicitadas.
Os "rolezinhos" se repetiram, acompanhados de intenções duvidosas de enquadrá-los em algum artigo da legislação penal.
A novidade do fenômeno e a sutileza com que foge a classificações estabelecidas são sinais de algo nada novo: as imensas desigualdades de renda do país criam formas de segregação espacial, e áreas privadas, como os shopping centers, substituem, por razões de segurança e de pasteurização social, lugares tradicionais do convívio público, como ruas e praças.
O incremento da renda das classes baixas e o maior acesso à informação tornaram mais aguda a percepção das diferenças que, paradoxalmente, começaram a se tornar menos dramáticas.
Ao acesso a bens de consumo vêm somar-se outras reivindicações: o ingresso em espaços públicos, a luta pelo reconhecimento, a denúncia do preconceito --que se faz, num novo paradoxo, mais pela afirmação das diferenças de cultura, vocabulário, roupa e comportamento do que pela vontade da imitação e da fusão indiferenciada com o estrato superior.
Igualdade e desigualdade, provocação e inofensividade, celebração e medo se misturam nos "rolezinhos"; num plano mais abstrato, ordem e progresso, ao lado de desordem e estagnação, fazem do fenômeno um retrato especialmente nítido do Brasil de nossos dias.
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