VALOR ECONÔMICO - 02/01
A legislação eleitoral e partidária brasileira contém uma curiosa exceção relativa ao prazo de desincompatibilização e, particularmente, de filiação partidária para aqueles que desejam concorrer nas eleições. Juízes, promotores, membros de tribunais de contas e militares dispõem de um prazo mais generoso do que os cidadãos comuns. Enquanto estes últimos devem se filiar a um partido político a pelo menos um ano da eleição que pretendem disputar, os primeiros podem fazê-lo a apenas seis meses do pleito.
O curioso de tal regra é que ela gera uma inversão, pois é justamente dos primeiros, tendo em vista as funções públicas que exercem, que se deveria exigir um prazo maior para a desincompatibilização e a filiação partidária - ou seja, uma quarentena. Afinal, juízes podem condenar ou absolver com vistas à aprovação pública; promotores podem acusar com o mesmo fito; membros de tribunais de contas podem criar constrangimentos sérios para adversários políticos, rejeitando contas e interrompendo políticas; militares (sobretudo policiais) podem se valer do uso autorizado da violência para agradar ao público. Em todos esses casos, a possibilidade de uma atuação eleitoralmente rentável em período próximo ao pleito é um estímulo a excessos e exorbitâncias.
É justamente tal regra que possibilitou a recente filiação ao PSB da ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, às vésperas do Natal. E é ela que permite tantas especulações acerca da possível candidatura presidencial de Joaquim Barbosa em 2014 - sabe-se lá por qual partido. Some-se a isto as pesquisas de intenção de voto, que indicam Barbosa em segundo lugar, à frente do tucano Aécio Neves e do socialista Eduardo Campos.
Barbosa surge para uma boa parcela do eleitorado e mesmo da opinião pública como a figura do herói. As celebrizadas fotografias do magistrado trajando sua longa capa negra, tal qual um Batman, reforçam essa imagem do herói. Por um lado, o ícone do justiceiro decorre da tradicional inapetência da justiça brasileira para punir poderosos. Num tal cenário, a condição de relator do mensalão lhe caiu bem, ainda mais considerando-se sua formação de promotor, que conferiu à sua atuação de magistrado um feitio híbrido, de juiz-acusador. E como suas posições prevaleceram sobejamente no julgamento, Barbosa saiu-se dele não apenas como herói, mas como herói vitorioso.
Por fim, vieram as prisões dos condenados. Determinadas por ele, começaram seletivamente pelos petistas, foram significativamente realizadas no dia da República e produziram excessos, como a destinação ao regime fechado de condenados ao semiaberto e a condução a Brasília de réus domiciliados longe dali. Por um lado, este gran finale produziu um espetáculo com o qual se regozijaram muitos brasileiros sedentos de justiça (não só os antipetistas) e rendeu novos dividendos de popularidade ao juiz-acusador. Por outro, tornou mais explícita uma certa tendência a exceder os limites do que autoriza a lei - como observaram diversos juristas.
São estas características de Barbosa que parecem ter inspirado a resposta de Fernando Henrique Cardoso ao questionamento que lhe foi dirigido sobre a possibilidade da candidatura presidencial do magistrado. Disse ele que "As pessoas descreem tanto nas instituições que buscam heróis salvadores... Ele teria que ter um partido para começar, acho que ele é uma pessoa que tem sentido comum e duvido que vá fazer uma aventura desse tipo". E ainda acrescentou: "É difícil imaginar Barbosa na vida partidária, ele não tem o traquejo, o treinamento para isso, uma coisa é ter uma carreira de juiz, outra coisa é ter a capacidade de liderar um país. Talvez o Senado, a vice-presidência. Não creio que ele tenha as características necessárias para conduzir o Brasil de maneira a não provocar grandes crises. Confio no bom senso dele".
De uma tacada, o ex-presidente e notável sociólogo apontou a falta de treino político e de lastro institucional (partidário) de Joaquim Barbosa. Mais do que isto, notou que a figura do herói surge justamente no vácuo criado pelo descrédito nas instituições, mas se constitui numa aventura capaz de suscitar grandes crises. Ao que disse FHC, poder-se-ia acrescentar que uma eventual eleição de Barbosa seria a receita perfeita para que experimentássemos o populismo. E, ironicamente, a simpatia por sua candidatura provém justamente de setores raivosamente antipetistas que identificavam em Lula a figura do populista. Só que Lula, assim como FHC, está muito distante do populismo.
O populismo se caracteriza pelo exercício de uma liderança pessoal, normalmente de tipo carismático, que atropela as mediações institucionais na execução de seu projeto, fazendo apelos diretos ao povo na busca de legitimação. Lula está distante disto porque, embora seja um líder carismático, atua o tempo todo por meio das instituições. Seu pecado talvez seja outro: o de ser demasiadamente institucional. Não apenas porque dispõe de um lastro partidário muito forte, mas porque privilegiou a política de coalizões partidárias no Congresso, a negociação com os governadores, o diálogo com o Judiciário etc.. Seu baixo ímpeto reformista em relação às instituições deve-se a isto: Lula mais buscou atuar por meio das instituições existentes do que reformá-las. Mesmo FHC foi mais ousado do que ele sob este aspecto, tendo apoiado a emenda da reeleição e reformado o Estado.
Comparando: Hugo Chávez sim era um populista. Destroçou o antigo sistema político venezuelano para fazer avançar seu próprio projeto, alicerçado no carisma, nas políticas sociais e no apelo direto ao povo.
Barbosa se enquadraria a um feitio similar. Oriundo de fora dos partidos estabelecidos e propenso a exceder os limites institucionais para fazer valer suas convicções, angariando apoio popular, é difícil imaginá-lo construindo coalizões e fazendo concessões a políticos tradicionais para lograr avanços parciais em seu projeto. O mais provável seria tentá-lo fazer na marra, como o fazem os heróis.
O curioso de tal regra é que ela gera uma inversão, pois é justamente dos primeiros, tendo em vista as funções públicas que exercem, que se deveria exigir um prazo maior para a desincompatibilização e a filiação partidária - ou seja, uma quarentena. Afinal, juízes podem condenar ou absolver com vistas à aprovação pública; promotores podem acusar com o mesmo fito; membros de tribunais de contas podem criar constrangimentos sérios para adversários políticos, rejeitando contas e interrompendo políticas; militares (sobretudo policiais) podem se valer do uso autorizado da violência para agradar ao público. Em todos esses casos, a possibilidade de uma atuação eleitoralmente rentável em período próximo ao pleito é um estímulo a excessos e exorbitâncias.
É justamente tal regra que possibilitou a recente filiação ao PSB da ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, às vésperas do Natal. E é ela que permite tantas especulações acerca da possível candidatura presidencial de Joaquim Barbosa em 2014 - sabe-se lá por qual partido. Some-se a isto as pesquisas de intenção de voto, que indicam Barbosa em segundo lugar, à frente do tucano Aécio Neves e do socialista Eduardo Campos.
Barbosa surge para uma boa parcela do eleitorado e mesmo da opinião pública como a figura do herói. As celebrizadas fotografias do magistrado trajando sua longa capa negra, tal qual um Batman, reforçam essa imagem do herói. Por um lado, o ícone do justiceiro decorre da tradicional inapetência da justiça brasileira para punir poderosos. Num tal cenário, a condição de relator do mensalão lhe caiu bem, ainda mais considerando-se sua formação de promotor, que conferiu à sua atuação de magistrado um feitio híbrido, de juiz-acusador. E como suas posições prevaleceram sobejamente no julgamento, Barbosa saiu-se dele não apenas como herói, mas como herói vitorioso.
Por fim, vieram as prisões dos condenados. Determinadas por ele, começaram seletivamente pelos petistas, foram significativamente realizadas no dia da República e produziram excessos, como a destinação ao regime fechado de condenados ao semiaberto e a condução a Brasília de réus domiciliados longe dali. Por um lado, este gran finale produziu um espetáculo com o qual se regozijaram muitos brasileiros sedentos de justiça (não só os antipetistas) e rendeu novos dividendos de popularidade ao juiz-acusador. Por outro, tornou mais explícita uma certa tendência a exceder os limites do que autoriza a lei - como observaram diversos juristas.
São estas características de Barbosa que parecem ter inspirado a resposta de Fernando Henrique Cardoso ao questionamento que lhe foi dirigido sobre a possibilidade da candidatura presidencial do magistrado. Disse ele que "As pessoas descreem tanto nas instituições que buscam heróis salvadores... Ele teria que ter um partido para começar, acho que ele é uma pessoa que tem sentido comum e duvido que vá fazer uma aventura desse tipo". E ainda acrescentou: "É difícil imaginar Barbosa na vida partidária, ele não tem o traquejo, o treinamento para isso, uma coisa é ter uma carreira de juiz, outra coisa é ter a capacidade de liderar um país. Talvez o Senado, a vice-presidência. Não creio que ele tenha as características necessárias para conduzir o Brasil de maneira a não provocar grandes crises. Confio no bom senso dele".
De uma tacada, o ex-presidente e notável sociólogo apontou a falta de treino político e de lastro institucional (partidário) de Joaquim Barbosa. Mais do que isto, notou que a figura do herói surge justamente no vácuo criado pelo descrédito nas instituições, mas se constitui numa aventura capaz de suscitar grandes crises. Ao que disse FHC, poder-se-ia acrescentar que uma eventual eleição de Barbosa seria a receita perfeita para que experimentássemos o populismo. E, ironicamente, a simpatia por sua candidatura provém justamente de setores raivosamente antipetistas que identificavam em Lula a figura do populista. Só que Lula, assim como FHC, está muito distante do populismo.
O populismo se caracteriza pelo exercício de uma liderança pessoal, normalmente de tipo carismático, que atropela as mediações institucionais na execução de seu projeto, fazendo apelos diretos ao povo na busca de legitimação. Lula está distante disto porque, embora seja um líder carismático, atua o tempo todo por meio das instituições. Seu pecado talvez seja outro: o de ser demasiadamente institucional. Não apenas porque dispõe de um lastro partidário muito forte, mas porque privilegiou a política de coalizões partidárias no Congresso, a negociação com os governadores, o diálogo com o Judiciário etc.. Seu baixo ímpeto reformista em relação às instituições deve-se a isto: Lula mais buscou atuar por meio das instituições existentes do que reformá-las. Mesmo FHC foi mais ousado do que ele sob este aspecto, tendo apoiado a emenda da reeleição e reformado o Estado.
Comparando: Hugo Chávez sim era um populista. Destroçou o antigo sistema político venezuelano para fazer avançar seu próprio projeto, alicerçado no carisma, nas políticas sociais e no apelo direto ao povo.
Barbosa se enquadraria a um feitio similar. Oriundo de fora dos partidos estabelecidos e propenso a exceder os limites institucionais para fazer valer suas convicções, angariando apoio popular, é difícil imaginá-lo construindo coalizões e fazendo concessões a políticos tradicionais para lograr avanços parciais em seu projeto. O mais provável seria tentá-lo fazer na marra, como o fazem os heróis.
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