Transportes – automóveis, coletivos, bicicletas e quetais – são uma questão política. Infelizmente, nossos governos os vêm tratando como uma questão eleitoral, o que é completamente diferente.
A multiplicação dos automóveis, devida a uma política eleitoral de facilitação de crédito, vem criando problemas sem que haja respostas políticas ou administrativas coordenadas. Passou a ser possível escapar das latas de sardinha que passam por transporte público na maior parte do país pagando prestações baixas o bastante para estarem ao alcance de um rapaz solteiro que more com os pais e ganhe um salário mínimo. E ainda se leva um símbolo de status na jogada. Irresistível.
O carro, contudo, continua sendo caríssimo, e promete ficar ainda mais caro com a obrigatoriedade de acessórios ditos de “segurança” – bastante duvidosa, aliás – que acaba de tirar de linha as kombis, que tão bons serviços sempre prestaram. O combustível, aqui, também é um dos mais caros do mundo. O que se tem, na prática, é um incentivo ao consumo desregrado, ao endividamento excessivo para adquirir um símbolo de status. E não é um fenômeno isolado: enquanto a população aumentou 11% nos últimos dez anos, o número de veículos aumentou 123%. Isso se traduz em engarrafamentos por toda parte, pressão para a construção de mais vias expressas, dificuldades de estacionamento, mais poluição e ainda menos investimentos em transportes públicos. Um modelo de transportes que imita o modelo individualista norte-americano, mas com preços absurdamente inflados, numa esquizofrenia que só se explica pela necessidade dos governantes de convencer os eleitores pobres de que já estão na classe média.
Ao mesmo tempo, a classe média-alta urbana – a mesma que antes era reconhecida por ter carro – reage à perda do símbolo tentando transferir o antigo status do automóvel para a bike, uma versão sofisticada da antiga bicicleta do pobre. Funciona mais ou menos assim: se o sujeito é muito pobre, mas pobre de marré deci, ele anda de ônibus. Ganhou um trocadinho, compra uma motinha. Quando começa a tirar o pé da lama, anda de carrinho comprado a prestação. Mas, se ele é de classe média tradicional, filho e neto de donos de carros... Ah, aí ele anda de bike, convencido de estar salvando o planeta.
Essa guerra por status e espaço que ora opõe bicicletas, automóveis, motocicletas e os remanescentes do transporte público não é nem pode ser um modelo viável para os transportes, mas a demagogia eleitoreira que impera impede mudanças reais.
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