O Estado de S.Paulo - 02/01
Natal e ano-novo, ao menos formalmente, são momentos em que se reafirmam esperanças. No Brasil, talvez seja preferível reservar a ocasião para reflexões.
A conjuntura, infelizmente, não é favorável: inflação estabilizada em patamar alto, crescimento econômico pífio, flagrante desequilíbrio fiscal, setor externo instável. Mais grave é que as perspectivas também não são animadoras. Há entraves estruturais seriíssimos, como os que, a seguir, destaco.
As disfunções institucionais. Celebramos 25 anos de democracia, como evidência de estabilidade institucional. Tal marca contrasta com uma verdadeira ciranda das instituições: o Executivo legisla abertamente, mediante uso abusivo das medidas provisórias; o Legislativo interfere levianamente nas políticas públicas pelas indicações de apaniguados para os cargos públicos (no limite, o aparelhamento) e pela chantagem das emendas ao Orçamento; e o Judiciário envereda pelo temeroso caminho do ativismo legiferante.
A corrupção. As avaliações de agências internacionais são pouco lisonjeiras. O índice de percepção da corrupção da Transparência Internacional, que agrega informações do Banco Mundial, do Fórum Econômico Mundial e outras organizações, em 2013 pôs o Brasil em 72.º lugar num universo de 177 países. As causas da corrupção são conhecidas: as relações patrimonialistas entre o Estado e a sociedade, como já apontara Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), em que se destaca a corrupção eleitoral em larga escala, seja pelo financiamento comprometido das empresas, seja por governos que abusam da publicidade e distribuem privilégios, sob a forma de verbas, incentivos fiscais e subsídios creditícios; a impunidade para a qual conspiram as ineficiências da polícia, do Ministério Público e do Judiciário; e, mais recentemente, a atitude condescendente das autoridades em face dessa prática, a exemplo da alegação de caixa 2 no escândalo do mensalão e da nomeação de políticos desqualificados para a função pública, em nome da "governabilidade".
O Leviatã tropical. O Estado não para de crescer e traz consigo aumento da carga tributária: bolsas à mão cheia, que por prescindirem de saída transformam a inclusão social em assistencialismo; a cada dia se cria um novo ministério ou secretaria, que em nada aproveita ao interesse público. Institucionalizamos a profissão de "concurseiro", porque se sabe que é ilimitada a disposição de aumentar o tamanho da folha de pessoal. Os investimentos, pressionados pela expansão dos gastos correntes, nem sequer se resolvem pela via da privatização, pelo receio de que se perceba que sua demonização foi mero expediente eleitoreiro. A burocracia é uma hidra indomável: ora são as extravagantes exigências para inscrição e baixa de empresas, ora é a estranha imposição de uma tomada elétrica sem similar no resto do mundo.
O caos urbano. A urbanização sem planejamento converteu as cidades brasileiras em verdadeiras pradarias urbanas. Os incentivos aos automóveis e a desatenção com o transporte público universalizaram o engarrafamento. A inusitada ideia de converter o município em ente federativo promoveu uma descentralização anárquica. As Câmaras Municipais tornaram-se relevante e vergonhoso item da despesa pública. A violência fez das cidades territórios sem lei, sob o olhar complacente de uma polícia sem força e sem preparo, não raro também corrupta. É a época do medo e dos cidadãos murados.
A educação de má qualidade. Alcançamos a proeza de universalização do ensino fundamental de má qualidade. Para corroborar as avaliações pouco generosas dos alunos brasileiros em competições internacionais basta um simples diálogo com um atendente de call centers ou uma breve leitura de comentários em blogs. Não há possibilidade de ultrapassagem da barreira da baixa produtividade sem elevar os padrões de qualidade da educação. A tudo isso se soma a perda de identidade cultural de uma juventude massacrada por música e outros produtos culturais de péssimo gosto.
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