O Estado de S.Paulo - 23/12
A inflação poderá cair, mas permanecerá bem acima da meta oficial, 4,5%, nos próximos dois anos, segundo os novos cenários do Banco Central (BC). A economia continuará em marcha lenta pelo menos até o terceiro trimestre de 2014, o investimento será insuficiente para um novo arranque e as contas externas ainda exibirão um buraco indisfarçável, de acordo com o último Relatório de Inflação de 2013. Esse relatório, trimestral, contém um amplo retrato da economia brasileira, um resumo das condições internacionais e prospecções para o período relevante para a política monetária.
O documento contém, implicitamente, um bom argumento a favor de pelo menos mais uma alta dos juros básicos, aumentados para 10% na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Formado por diretores do BC, esse órgão é responsável pela fixação da Selic, a taxa básica, e pelas diretrizes principais do combate à inflação - excetuada a gestão das finanças públicas, conduzida frouxamente pelo ministro da Fazenda, sob orientação da presidente da República.
Se a Selic for mantida em 10% e o câmbio ficar em torno de R$ 2,35 por dólar, a inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), estará em 5,6% no fim de 2014 e 5,4% quando terminar 2015. Neste ano, o acumulado em 12 meses deve ficar em 5,8%, segundo a projeção central do relatório. Isso ocorrerá, de acordo com a análise apresentada, mesmo com uma acomodação dos preços internacionais dos produtos básicos. Os últimos aumentos de juros ainda levarão algum tempo para afetar plenamente a evolução dos preços. Apesar disso, os cenários apresentados no relatório valem como argumento a favor de um aperto adicional na política.
O relatório mantém a expectativa otimista, indicada em outros documentos do BC, quanto à evolução da política fiscal. As contas públicas, segundo a insistente aposta das autoridades monetárias, deverão evoluir, no próximo ano e talvez no seguinte, sem produzir mais pressões inflacionárias.
A avaliação pode ser considerada simpática pelo ministro da Fazenda e pela presidente. Apesar disso, os autores do relatório julgaram conveniente lembrar a importância da disciplina orçamentária para a estabilidade de preços. A geração de superávits primários "compatíveis com as hipóteses contempladas (...) contribuiria para arrefecer o descompasso entre as taxas de crescimento da demanda e da oferta". Além disso, "contribuiria para criar uma percepção positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazos".
A menção às "hipóteses contempladas" e o uso dos verbos no condicional tornam um pouco menos generosa a avaliação das tendências da política fiscal. Uma referência à eleição de 2014 tornaria mais condimentado esse toque de realismo.
Se o conjunto dos preços evoluir de acordo com o cenário central do relatório, a presidente Dilma Rousseff continuará descrevendo a inflação, quase certamente, como "dentro da meta". A meta, segundo essa concepção, inclui qualquer número até o limite superior de 6,5%, ou seja, toda a margem destinada a acomodar desvios justificáveis. Numa política séria, a meta seria inferior a 4,5%, como em outros países em desenvolvimento, e a margem de acomodação, mais estreita, para abrigar somente desvios mais razoáveis. Não há como justificar uma inflação de 5,84%, como a de 2012, nem taxas como as estimadas para este e para os próximos dois anos.
A gestão frouxa das contas públicas e a tolerância à inflação combinam com o mau estado geral da economia. Segundo o relatório, o investimento produtivo continuará abaixo de 20% do PIB, bem inferior ao de outros sul-americanos (acima de 24%). O crescimento econômico permanecerá na faixa de 2% a 2,5%, o avanço do comércio exterior será medíocre e o buraco na conta corrente do balanço de pagamentos ainda ficará em US$ 78 bilhões, quase repetindo o estimado para 2013 (US$ 79 bilhões). Economistas da indústria e do setor financeiro têm apresentado prognósticos semelhantes. A presidente pode descartá-los. Mas poderá descartar o relatório do BC?
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