O GLOBO - 23/12
Fato especialmente marcante foi a completa ausência da Argentina nas discussões e proposições das principais decisões adotadas
Uma visão pragmática e factual dos meandros ocorridos na reunião realizada na Indonésia mostra peripécias negociadoras e posturas diferenciadas entre os 160 participantes do evento. O primeiro fato relevante que deve ser destacado foi a estratégia do diretor-geral da OMC de levar a Bali um rascunho básico, adrede preparado em Genebra, especialmente no tema sobre facilitação de comércio. Tal providência foi vital para facilitar a tarefa de as partes fazerem os ajustes necessários à conclusão e firma do documento final.
É importante destacar que, desde o encerramento da Rodada Uruguai, a OMC não lograva obter uma decisão por consenso. Mas é bom frisar, também, que o cumprimento dos dispositivos aprovados podem ser implementados sob velocidades diferenciadas segundo o grau de desenvolvimento dos países membros, o que mostra certa flexibilização no conceito de nação mais favorecida — parâmetro básico do organismo. Quem sabe essa postura tenha sido inspirada no roseiral de acordos parciais que inundou os registros do organismo, sob o amparo do artigo XXIV do Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) e que minou, nos últimos anos, a crença de que as negociações multilaterais estavam esgotadas. A tal ponto que diversos países importantes, como o México, por exemplo, levaram a Bali minúsculas delegações simplesmente para fazer presença.
Especial destaque deve ser dado à postura da delegação americana que, junto à brasileira em fina sintonia construtiva, desempenhou papel de destaque na formalização do documento final e, portanto, à sobrevivência da OMC. A atuação brasileira foi especialmente decisiva, também, na demoção da postura bolivariana da Venezuela contra o documento final e na exigência cubana de os EUA sinalizarem o fim do embargo comercial à ilha.
Fato especialmente marcante foi a completa ausência da Argentina nas discussões e proposições das principais decisões adotadas, acenando perigoso afastamento do país dos dispositivos de maior ordenamento das transações globais, o que tende a repercutir mais negativamente nas já suas combalidas transações no Mercosul.
Por outro lado, é importante assinalar a postura propositalmente inerte da China, principalmente nas discussões sobre a segurança alimentar postuladas pela Índia e atendidas no documento, com a salvaguarda de não afetar o comércio internacional de commodities.
Na questão das quotas agropastoris, os avanços foram modestos, apenas ordenando mais racionalmente a redistribuição dos lotes não aproveitados por países provedores.
Deve-se assinalar o comportamento judicioso da União Europeia, decorrente da não inclusão da questão dos subsídios às exportações agrícolas e a ausência de menções aos regulamentos sanitários e fitossanitários largamente aplicados pela comunidade. Esses temas, possivelmente, poderão constar da elaboração, em 2014, da agenda visando à retomada das negociações da Rodada Doha.
Os países de menor desenvolvimento relativo aparentemente contentaram-se com o tratamento diferenciado reiterado no documento sobre o programa denominado duty free — quota free, sujeito, no entanto, a regras próprias que evitem ou punam práticas comerciais desleais ou predatórias.
Em resumo, os bastidores do encontro de Bali mostraram uma disposição incomum da maioria dos países em buscar alguma solução viável de preservação da multilateralidade nas transações universais em convívio com os mega-acordos interregionais em vigor, além de diversos outros em negociação. Até onde essas ações são compatíveis ou não veremos com o tempo. Mas o Brasil que trate de arranjar fórmulas para estar presente em ambos os bailes.
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