O Estado de S.Paulo - 23/12
As duas alternativas estão corretas e a primeira é consequência da segunda. O crescimento da economia brasileira está abaixo da média mundial e a menos da metade do que o de alguns vizinhos. É um quadro que não agrada, mas também não apavora.
O futuro próximo tem algumas cascas de banana, como a ameaça de perder o grau de investimento, a dependência da safra agrícola e os humores do cenário externo. Mas não há perigo de uma caída forte, os indicadores de solvência são positivos. O crescimento será lento, mas sem crises. Portanto, o País tem pernas mancas, sim.
A causa é a cabeça dura, a aversão a mudanças. Ilustrando o ponto: para segurar a inflação, a prescrição na teoria moderna é um aperto fiscal. Todavia, continuam com o manual de meio século atrás, gastando muito e represando tarifas de transporte, energia e combustíveis. Agravam o problema e postergam a estabilização dos preços.
Outro exemplo emblemático é a falta de médicos no País. A solução óbvia é abrir mais vagas nos cursos de medicina e construir hospitais-escola - há cinco Estados brasileiros que nem sequer têm um. Mas decide-se por importar profissionais, é mais rápido. A urgência é resolvida e varre-se a sujeira para debaixo do tapete.
Apesar do discurso da ginga brasileira e do modernismo, há um viés conservador nos governos brasileiros desde o Império. Quase todas as mudanças de rumo na política econômica ocorrem após crises, quando alterar a rota é obrigatório e tem custos sociais e econômicos elevados.
O tripé macroeconômico de FHC foi uma resposta à crise cambial, após quatro anos no poder: o câmbio e o regime de metas de inflação são de 1999 e a Lei de Responsabilidade Fiscal é de 2000. Foi uma reação a problemas inflacionários, não fazia parte de um conjunto de políticas de desenvolvimento.
O desempenho dos governos depende de como se ajustaram ao legado recebido pelo antecessor e às condições externas. Uns mais e outros menos, o fato é que as presidências de Dilma e dos anteriores João Figueiredo, Collor/Itamar, FHC e Lula foram basicamente reacionárias, caíram na armadilha da repetição.
Como consequência, todos eles viram o PIB crescer abaixo da média mundial. A responsabilidade pelo fraco desempenho é sempre atribuída a crises: do México, da Ásia, do Lehman Brothers e outras. É fácil culpar os outros, mas o motivo é um só, é a cabeça dura, a aversão a mudanças.
O problema não é só de governos. O mundo vive uma revolução produtiva com novas tecnologias e os efeitos da globalização. A indústria nacional deveria se adaptar à nova realidade com integração e incorporação de inovações, porém as demandas do setor são proteção e desvalorização. Querem aliviar os efeitos, e não curar a causa.
É um padrão que se repete. Ilustrando o ponto: em 1990, quando os carros produzidos aqui foram chamados de carroças, houve protestos enfáticos. Mesmo assim, avançou-se com a abertura. Apesar das previsões catastróficas, o setor não quebrou, melhorou a qualidade, aumentou a variedade dos modelos e o preço dos veículos despencou. A mudança beneficiou os consumidores.
Outro exemplo é que, apesar do esgotamento precoce da oferta de crédito, com consequências desfavoráveis para a economia, se insiste na manutenção do modelo bancário. A aversão a mudanças não ocorre só no Brasil, ressobram exemplos em outros países, mas há honrosas exceções lá fora e aqui.
O Plano de Metas de Juscelino e o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), apesar de suas imperfeições, mostram que é possível mudar. No setor empresarial, o agronegócio é outro exemplo. A alta no preço das commodities ajudou, mas o campo brasileiro fez sua lição de casa: uma transformação adotando inovações tecnológicas e de gestão dobrou sua produtividade.
As condições externas ajudaram, mas foi a revolução da porteira para dentro que fez do agronegócio a locomotiva do crescimento do Brasil. As projeções para este ano mostram que o PIB agrícola vai aumentar 7,6%; o de serviços, 2%; o da indústria, 1,3%; e na média, 2,3%. É vantajoso mudar (setor rural) e oneroso ser conservador (indústria). Evidentemente, há empresas e subsetores que souberam se adequar e outros não.
A repetição das políticas traz problemas que pareciam ter sido superados, como a alta da inflação, que sem as tarifas está rondando os 8% ao ano, a possibilidade de fuga de capitais, um crescimento baixo e a redução do potencial do País.
A realidade mudou, mas até o debate continua o mesmo. Situação e oposição, monetaristas e desenvolvimentistas e esquerda e direita analisam exaustivamente se o copo está meio cheio ou meio vazio. Dá na mesma, o fato é que está na metade e o Brasil pode se afogar nele, ou não. Urge mudar.
O requisito mais importante para uma transformação está presente e é uma insatisfação ampla e geral com a situação. Foi o que se viu nas ruas em junho e é o que se lê nos jornais e nas mídias sociais todo dia.
O cenário externo mostra um mundo em recuperação com dois conjuntos de países. Uns que anteciparam crises e se preparam para o pior, a China é um exemplo, e outros que tiveram um ajuste doloroso e estão se recuperando, a Irlanda ilustra o ponto, e este é o caso da maioria das nações.
O bom é que o pior já passou e, no ano que vem, o mundo vai crescer, o que gera um otimismo que acaba contagiando a todos. As projeções são de que a expansão do PIB mundial será de 3,6%; a das economias emergentes, 5,1%; da América Latina, 3,1%; e do Brasil, 2,5%. Não é ruim, mas não é bom. É pouco.
Se a economia tem pernas mancas porque é cabeça dura, então a solução é começar a fazer o futuro, em vez de reagir a ele. O Brasil poderia inovar e não esperar uma crise para mudar. A agenda é corrigir distorções, reformar o antiquado e criar um futuro.
Ano-novo, vida nova, feliz 2014!
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