CORREIO BRAZILIENSE - 23/12
O julgamento da Ação Penal nº 470, o famigerado mensalão, revelou inédito interesse do povo brasileiro por questões atinentes ao direito penal e processual penal. Acostumada ao arraigado axioma de que, no Brasil, a Justiça é implacável apenas com os pobres, a população - animada com a possibilidade de punição rigorosa também para os ricos, poderosos e políticos - acompanhava com interesse as sessões de julgamento transmitidas pela TV Justiça. Os principais sites de notícia as analisavam em tempo real, com advogados "traduzindo" o que era discutido pelos ministros. Em conversas de bar, cidadãos leigos na área jurídica discutiam com desenvoltura a "teoria do domínio do fato".
Com a condenação da maior parte dos réus, o Supremo tribunal Federal, órgão absolutamente distante da realidade da população, caiu em suas graças. Pouquíssimo tempo depois, porém, a sensação de descrédito voltou a reinar, quando os embargos infringentes - que concedem o direito a novo julgamento para os réus que obtiveram ao menos quatro votos por sua absolvição - foram acolhidos.
A possibilidade de "eternização" do processo, nas palavras do ministro Joaquim Barbosa, tomou o centro das discussões. Mas, afinal, quando o exercício constitucionalmente assegurado da ampla defesa (art. 5º, inciso LV) torna-se abusivo? É sabido que, diariamente, são interpostos inúmeros recursos evidentemente protelatórios, que buscam tão-somente retardar o andamento dos feitos, impedindo o trânsito em julgado das decisões e inviabilizando a efetividade da prestação jurisdicional.
Há registros, em nossos tribunais superiores, da oposição sucessiva de até seis embargos de declaração - peça processual que objetiva o esclarecimento de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão na decisão -, todos desprovidos dos pressupostos legais de cabimento (STJ, AG nº 125202).
As consequências, obviamente, são nefastas. Réus confessos, condenados em todas as instâncias por crimes gravíssimos, mas livres do cumprimento de pena pela ocorrência de eventual prescrição, agravam a sensação de impunidade e desconfiança da população no Poder Judiciário.
Buscando coibir a recorribilidade vazia, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou, em 4/12/13, a Proposta de Emenda à Constituição nº 15/2011. A chamada PEC dos Recursos - que seguirá para o plenário, para discussão e votação em dois turnos - permite aos órgãos colegiados da Justiça e tribunais do júri expedir mandados de prisão assim que as decisões condenatórias forem proferidas, independentemente da interposição de qualquer outro recurso.
A medida proposta, vale dizer, colide com preceitos estabelecidos na própria Carta Magna, como a presunção de inocência (segundo a qual ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória) e o direito ao duplo grau de jurisdição (que garante aos jurisdicionados a reanálise do processo, por uma instância superior).
Entre as duas situações diametralmente opostas - o abuso irrestrito ao direito de recorrer, que desvirtua o princípio da ampla defesa; e a violação aos princípios constitucionais - nossos tribunais parecem ter encontrado caminho mais razoável: autorizam o imediato cumprimento das decisões - inclusive com expedição de mandado de prisão - apenas nos casos em que seja expressamente reconhecida a finalidade protelatória dos recursos interpostos.
Ainda que não seja a solução definitiva, nem, talvez, a ideal, até que haja uma mudança na mentalidade de alguns operadores do direito (que buscam, de forma indiscriminada, atender os interesses de seus clientes), o reconhecimento, por nossos tribunais, do abuso no direito de recorrer é passo importante na tentativa de zelar pela ética no processo.
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