terça-feira, novembro 19, 2013

Venezuela rumo ao abismo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 19/11

Se Nicolás Maduro conseguir que a Lei Habilitante entre em vigor, terá carta branca para afundar ainda mais a combalida economia venezuelana


Na quinta-feira passada, dia 14, a Assembleia Nacional da Venezuela aprovou, em primeira votação, a entrada em vigor da Lei Habilitante, um mecanismo que permite ao presidente do país governar por decreto pelo período de 12 meses, em temas relativos à política econômica. No entanto, Nicolás Maduro ainda precisa vencer uma segunda votação antes de ter carta branca para fazer o que bem entender. A Venezuela vive um caos econômico que nem mesmo os brasileiros que passaram pela desorganização dos anos 80 podem imaginar: a falta de produtos de toda ordem é generalizada e a fiscalização chavista levou a uma onda de prisões de comerciantes. Não bastasse o nítido caráter antidemocrático da Lei Habilitante, ela ainda será uma carta branca para o chavismo intensificar as medidas que dilapidaram a economia do país.

“Temos uma maioria contundente na Assembleia Nacional para que a Revolução não pare”, disse Maduro em uma entrevista coletiva. Mas a vitória parlamentar do chavismo só foi possível graças a uma manobra de última hora. A Lei Habilitante precisava de 99 votos, de um total de 165, mas Maduro só podia contar com 98 deputados. A solução foi ejetar da Assembleia Nacional a chavista dissidente María Arangurén, que teve cassada sua imunidade parlamentar antes da votação da Lei Habilitante. Tendo de responder a uma conveniente acusação de corrupção, ela perdeu a cadeira para Carlos Flores, um chavista leal, e que garantiu o voto que faltava a Maduro.

“Irei com mais força na ofensiva econômica. (...) Estou preparando um plano arrasador, vamos com tudo contra a corrupção”, prometeu, na mesma entrevista, o sucessor do falecido caudilho Hugo Chávez. Segundo a paranoia bolivariana, empresários e a oposição estão promovendo uma “guerra econômica” para desestabilizar a economia venezuelana. O país, apesar de contar com uma fonte inesgotável de renda graças ao petróleo, não consegue revertê-la em riqueza e prosperidade para seus cidadãos. Os preços subiram 5,1% só em outubro, e a inflação nos últimos 12 meses é de 54,3%, segundo o Banco Central da Venezuela (em outubro de 2012, o acumulado de 12 meses era de 17,9%). O governo fixou o câmbio, o que criou um mercado clandestino de dólares em que a moeda norte-americana vale até oito vezes mais. É justamente a questão cambial que está por trás da fiscalização em redes de lojas. O governo alega que os comerciantes compram produtos usando o dólar oficial e os vendem pela cotação do mercado negro. Uma cadeia de lojas chegou a ser ocupada militarmente no começo de novembro, e forçada a fazer uma “liquidação bolivariana”. “Eu ordenei a ocupação imediata dessa rede de lojas para oferecer seus produtos a preços justos. Não deixem nada sobrar no estoque”, disse Maduro pelo rádio no dia 9.

Antes da primeira votação da Lei Habilitante, Maduro já tinha prometido que seus primeiros atos caso ganhasse plenos poderes seriam “proteger os salários dos venezuelanos, assegurar os preços justos e estabelecer limite para os lucros”. Na última vez em que Hugo Chávez se serviu da Lei Habilitante, promulgou a Lei de Custos e Preços Justos, que estabelecia mecanismos de controle de preços, obrigava os comerciantes a se inscrever em um Registro Nacional de Preços de Bens e Serviços e aplicava pesadas multas a quem reajustasse preços sem autorização da Superintendência Nacional de Preços e Custos. A excessiva intervenção estatal na economia, como se pode ver agora, não solucionou o problema. A inflação até recuou no início, mas apenas graças a uma redução artificial nos preços, o que afetou o setor produtivo (prejudicado também pela insegurança causada pelas expropriações chavistas) e levando ao caos atual.

Alguns poderiam argumentar que, pelo menos, Maduro poderá ser apontado como o único responsável pelo desastre que está a caminho, já que a Lei Habilitante lhe dará plenos poderes. No entanto, a agonia dos venezuelanos é um preço muito alto a pagar pela desmoralização de um ditador. Além disso, Maduro sempre terá à disposição medidas populistas e a tradicional retórica vitimista que culpa os demais – os Estados Unidos, a oposição, os “comerciantes burgueses” – pelos problemas da economia, armas que garantiram a Chávez sua perpetuação no poder e ajudarão seu herdeiro a passar pelos caos com poucos arranhões, para a infelicidade dos venezuelanos.

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