CORREIO BRAZILIENSE - 23/11
Se os políticos brasileiros utilizassem os serviços públicos, as escolas, os hospitais e os ônibus seriam mais eficientes. A máxima deveria valer também para as cadeias brasileiras, agora que caciques petistas e de partidos da base aliada de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff estão no xadrez, vivendo na própria pele a realidade de 550 mil pessoas no país. Aqui, esqueça qualquer traço de revanchismo. Em matéria de desenvolvimento social deveríamos nos pautar pela Suécia, que, no último ano, foi obrigada a fechar quatro prisões por causa da redução no número de detentos – e, assim, por tabela, também poderíamos nos manter afastados do modelo norte-americano com os 2,2 milhões de encarcerados, segundo dados da organização não governamental Centro Internacional para Estudos Prisionais.
Por ora, com autoridades no xilindró, seria razoável supor a melhora no sistema, seguindo a lógica do uso de serviços públicos pelos políticos. Mas nada é tão simples, por mais que as cadeias brasileiras tenham voltado ao centro do debate nacional com o mensalão. A partir da complexidade do tema e da sanha de setores mais conservadores em apoiar a indústria das prisões, é provável que, passada a novidade dos mensaleiros, tudo volte ao normal. E o normal será deixar o sistema penitenciário em último plano, por mais que as condições precárias tenham sido novamente expostas agora. Um levantamento do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) sobre as unidades prisionais do país mostra uma realidade distante dos gabinetes e salões da Esplanada, para deputados e autoridades.
A partir de estimativas, é possível chegar a um deficit de 170 mil vagas em todo o sistema, o que, na prática, significa prisões lotadas. Mas trata-se de uma simples estimativa, por conta das subnotificações. Na Bahia, por exemplo, o mutirão do Ministério Público contou 5.800 presos a mais nas delegacias, todos fora dos dados oficiais. Se o número de presidiários for analisado a partir dos estados, chegaremos próximos aos encarcerados de países onde a indústria penitenciária é agressiva. Segundo o CNMP, a taxa de presos no Brasil chega a 245 presos para 100 mil habitantes, enquanto os EUA e a Rússia, por exemplo, apresentam 756 e 629, respectivamente. Tais taxas estão em 567 em Mato Grosso do Sul, em 431 no Acre e em 383 em São Paulo. Nessa competição, bem que poderíamos perder com louvor.
Defensores
Mais do que números, a questão é que o sistema prisional no país não recupera e continuará injusto. Uma das recomendações da ONU para as prisões brasileiras é a presença permanente de defensores públicos nas penitenciárias. Aqui talvez esteja a maior diferença entre os políticos e empresários condenados pelo STF e o preso comum: a falta de assistência jurídica. Sim, mesmo presos, os ilustres políticos e empresários têm dinheiro para pagar os melhores advogados do país. A massa da população carcerária, entretanto, precisa de defensores para apurar abusos de direitos humanos — casos infindáveis de tortura —, conseguirem progressão do regime (do semi-aberto para o aberto, por exemplo) ou mesmo sair da cadeia ao terminar o cumprimento da pena. Algo que, no fim, serviria a todo o sistema.
Um dos casos mais emblemáticos está em São Paulo. Lá, das 300 comarcas, somente 29 têm defensoria. Dos cerca de 500 defensores no estado, apenas 50 estão ocupados com a atenção aos encarcerados. Há tempos a Pastoral Carcerária denuncia que as prisões brasileiras estão ocupadas por gente com baixa escolaridade e, na maioria, negros e pardos. Logo depois da condenação de José Dirceu pelo STF, em novembro do ano passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou o sistema prisional do Brasil como medieval e afirmou que “preferia morrer a cumprir pena por longo tempo em uma prisão do país”. Depois da polêmica instalada, Cardozo reafirmou — escorregadio que só ele —, a meta de criar 42 mil vagas nas penitenciárias brasileiras.
Em carta aberta, os representantes da Pastoral Carcerária criticaram de forma dura o ministro. Depois de apresentar os números da superlotação, a ONG foi direta: “Surpreende-nos que, diante deste cenário, o governo federal ainda fale em construir mais presídios. Ora, mais presídios para quê? Para quem? Enquanto o senhor fala em construir novos presídios, centenas de jovens, quase sempre pobres, quase sempre negros, são mortos ou presos de forma abusiva cotidianamente”. Pediu para levar.
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