CORREIO BRAZILIENSE - 23/11
Jus sperniandi é uma expressão latina que não existe. Isso mesmo. Apesar de não existir, tem significado: refere-se ao direito do esperneio, de reclamar, quando não há nada mais a se fazer. É, portanto, uma ironia. É o direito que possui a parte indignada quando recebe sentença que considera injusta. É o direito que tem o cidadão quando vê publicada uma lei absurda, ou entende que a autoridade decidiu contra seus interesses sem a devida base nos fatos. É o direito de protestar.
Nos últimos dias, o jus sperniandi tem sido muito aplicado às decisões do Supremo tribunal Federal. Os condenados se apresentaram à Polícia Federal com gestos heroicos, punhos fechados como os Panteras Negras nos Estados Unidos. Fizeram declarações bombásticas, leram notas de repúdio, ameaçaram céus e terras, inclusive recurso a tribunais estrangeiros. Terminaram todos na penitenciária da Papuda, em Brasília, de onde começam a ser redistribuídos pelo país, segundo decisões do juiz da Vara de Execuções Penais. Acabou.
Os presos não foram recolhidos à prisão por razões políticas. Chegaram a essa situação como consequência de fatos relatados no processo de 50 mil páginas, a Ação Penal 470, chamada de mensalão. Ali há indícios, suposições e provas admitidos pelos ministros do Supremo tribunal Federal. Todos tiveram amplo direito de defesa. As sessões, além de públicas, foram televisionadas ao vivo, sem cortes, para o país inteiro. O conteúdo ideológico das críticas é evidente. Afinal, a direção do Partido dos Trabalhadores foi atingida em cheio.
O ex-presidente Lula limitou-se a comentar que não poderia julgar decisões do Supremo. A presidente Dilma se calou. Apenas mostrou preocupação com a saúde de José Genoino. Os dois nomearam a maioria dos ministros que participaram do julgamento. E também nomearam os procuradores-gerais que encaminharam as denúncias. Não há brecha para argumentar que o julgamento foi viciado ou que os juízes tinham essa ou aquela tendência política. Todos os protagonistas são filhos de 11 anos de administração do PT. Resta espernear.
As novas ordens de sentença virão. Mais gente vai ser recolhida. E ainda restará o julgamento dos embargos infringentes, previsto para o primeiro semestre do próximo ano. Aí sim, o processo inteiro estará encerrado. Isso vai acontecer na véspera do início da Copa do Mundo e na antevéspera da eleição presidencial. Até agora, a prisão dos mensaleiros não modificou os humores do brasileiro médio. Dilma Rousseff continua liderando as pesquisas de opinião por larga margem. De certa forma, o eleitor já digeriu o julgamento do mensalão, entendeu que o PT perdeu seu viés ideológico e hoje é o partido que promove uma forte ação social. Este é o símbolo maior: Bolsa Família.
O que pode mudar o ano de 2014 é o que os economistas chamam de tempestade perfeita. Os números da economia brasileira não estão bem. O governo não conseguirá fazer o superavit primário prometido para pagar os juros de sua dívida. As exportações caíram muito. As importações aumentaram. O antigo superavit comercial está ameaçado. A inflação está elevada, apesar de haver preços controlados pelo governo, como gasolina e óleo diesel. A redução da atividade econômica brasileira provoca menor crescimento do produto interno. Tudo isso colocado na balança, combinado com a mudança de política financeira nos Estados Unidos, produz a possibilidade real de as agências de risco aumentar o risco Brasil.
A eventual ocorrência de todos os fenômenos no primeiro semestre do próximo ano poderá afetar a eleição presidencial. A primeira consequência da tempestade perfeita é inflação ainda mais elevada, redução maior da atividade econômica e aumento da taxa de desemprego. A possibilidade de que os problemas ocorram nos próximos tempos fez com que a presidente Dilma procurasse as lideranças políticas para evitar aprovação de projetos de lei que produzam mais despesas públicas. A ordem é parar de gastar.
O problema é a economia. O modelo adotado pelos responsáveis pelo crescimento nacional não entregou os resultados prometidos. O governo dispõe, do ponto de vista eleitoral, da proteção do Bolsa Família, que segura os mais pobres. Mas em outros recantos da sociedade as pessoas vão sentir novas dificuldades. Isso em ano que vai combinar carnaval em março, mensalão em maio, Copa do Mundo em junho e julho e eleições no segundo semestre. De certa forma, 2014 se inicia no início de dezembro deste ano. Feliz ano-novo.
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