FOLHA DE SP - 23/11
Brasil e Itália reconhecem aos seus nacionais o direito de não extradição para país estrangeiro. Contudo, esta é uma regra que comporta exceções disciplinadas em tratados bilaterais de extradição e em princípios de direito penal internacional.
Deixemos os princípios para outra oportunidade e recorramos ao tratado de extradição celebrado entre Brasil e Itália, em 1989. Esse tratado determina a obrigação de Brasil e Itália de extraditar pessoas que se encontrem em seus territórios e que sejam procuradas pelas autoridades judiciais do país que requer a extradição para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena já fixada de restrição de liberdade pessoal.
Inicialmente, o tratado determina a obrigação de extradição de "qualquer pessoa", mas também estabelece a hipótese do direito de "recusa facultativa da extradição", quando a pessoa reclamada for nacional do país que recebe o pedido de extradição. Neste caso, o país "pode" não entregar a pessoa reclamada. Isso não significa que o país não entregará pela simples razão de que se trata de um nacional.
Na hipótese de negativa de entrega da pessoa reclamada ao país reclamante, isto é, de não concessão da extradição, o país solicitante deve pedir ao país que deu a negativa que submeta o caso às suas autoridades competentes para eventual instauração de procedimento penal, fornecendo, para tanto, todos os elementos e documentos necessários.
Do que se conclui que a Itália, à luz do referido tratado, "pode" recusar eventual pedido de extradição de Henrique Pizzolato, condenado no julgamento do mensalão a 12 anos e sete meses de prisão. Se o fizer, deverá instaurar processo criminal contra ele e prestar contas ao Brasil sobre seu andamento e resultado. Contudo, não é correto afirmar que a Itália não concederia a extradição pelo simples fato de que esse senhor possui dupla nacionalidade, entre elas a italiana.
Se esta fosse uma certeza e uma regra imperativa do direito italiano, a Itália não teria celebrado tratado de extradição com o Brasil e com outros países, haja vista que a Itália mantém inúmeros outros tratados de extradição. Ademais, regras absolutas e que não comportem exceções a não extradição de nacionais seria uma afronta aos fundamentos do direito penal internacional e um incentivo à prática de crimes transfronteira. Seria muito fácil cometer crime em um país estrangeiro, refugiar-se no seu país pátria e evadir-se das responsabilidades.
Se houve essa prática no passado, hoje não acontece mais. Os mecanismos de cooperação judiciária internacional são, modernamente, extremamente eficazes e crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, entre outros, dificilmente ficam impunes: praticados em um país, têm seus efeitos legais e econômicos, muitas vezes, sentidos em vários outros.
Investigações e processos são instaurados em um desses países com a cooperação ativa e eficiente das autoridades policiais e judiciárias dos outros. Extradições são frequentes nessas hipóteses --tanto de nacionais quanto de estrangeiros.
Daí por que a Itália pode, sim, extraditar Pizzolato. E digo mais. A Itália deve extraditá-lo, por duas razões fundamentais. Primeiro, como medida pedagógica para o Brasil, que, no caso recente de Cesare Battisti, desrespeitou o tratado bilateral e fez pouco caso da Justiça italiana ao justificar a não devolução do italiano porque a integridade física dele estaria ameaçada naquele país. Foi um verdadeiro descalabro.
Segundo, porque Pizzolato estaria usando o benefício da dupla nacionalidade para evadir-se do cumprimento de pena no Brasil, isto é, estaria usando o manto da nacionalidade italiana derivada (obtida de seus descendentes) in "fraude à lei brasileira", conduta que a Itália não poderia jamais aceitar frente à importância, dignidade e respeitabilidade que a nacionalidade italiana confere aos seus nacionais.
Um comentário:
No caso de Cesare Battisti, o demiurgo que estava investido dos poderes, suas arestas de dignidade e respeitabilidade não foram lapidadas.
TENHO DITO!
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