Desde 1987 a política brasileira mudou. Na democracia tomou-se essa decisão. Os principais indigenistas se sentaram para avaliar os contatos que cada um tinha feito e o resultado disso. Em geral, eram histórias tristes, de mortes por doença ou de perda de identidade cultural.
- O governo brasileiro decidiu então, após esse encontro, mudar a política e não forçar o contato. Tentar identificar as áreas onde estão e garantir que eles vivam sua vida. A intervenção ocorre só quando há risco iminente - diz Leonardo Lenin, coordenador-adjunto de um órgão criado a partir dessa mudança de política: a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e de Recente Contato.
Em uma expedição feita em março e em outra em julho, funcionários da Funai confirmaram a presença de Awá isolados na Terra Caru, que fica ao sul da Terra Awá, e outro grupo na Terra Arariboia, mais ao sul ainda. Tudo no Maranhão. Para esse último grupo está sendo preparado um plano de contingência para a eventualidade de se forçar um contato. O risco é grande demais de deixá-los expostos a um encontro hostil com madeireiro, por exemplo.
Na terra indígena Arariboia vivem oito mil índios guajajara. Várias lideranças já foram cooptadas pelo crime de desmatamento. Houve uma queimada que destruiu 40% da reserva. O grupo que foi fazer a expedição passou uma noite inteira ouvindo som de tratores e motosserra na mata. Eles não vão sobreviver numa floresta que fica cada vez menor, cercada de madeireiros e índios em que algumas lideranças já foram corrompidas.
Na série de reportagens que fiz com Sebastião Salgado, ganhei do GLOBO generoso espaço no impresso e no online. Mesmo assim, sobraram fatos para serem apurados e explicados. Um é a questão de "índio isolado". O que mesmo vem a ser isso? Todo o Brasil viu as fotos dos índios do Rio Envira, no Acre. Quem não acompanha o tema, pode ter concluído que aquela cena exótica dos índios flechando o avião é um caso único. Houve também notícias de outros índios isolados no Vale do Javari, mas existem mais casos do que se imagina.
- O número oficial é de 77 informes de sinais de índios não contatados, mas até agora foram confirmados casos de 27 povos isolados. Nestes, há um conjunto de informações muito fortes. Em muitos casos nós fazemos expedições para confirmar os relatos. Há muitas formas de registrar os sinais e, pela cultura material, identificar a etnia ou o tronco a que pertencem.
Os Awá tiveram mais atenção recente da Funai. Foram seguidas as pistas de grupos no Caru e em Arariboia.
- Normalmente encontramos esses pequenos sinais que eles fazem ao andar na mata. Foram encontrados tapiris (casas) abandonados e fogueiras como eles costumam fazer em seus acampamentos. Pelos sinais deixados, se vê que usam ferramentas muito antigas: machados que já não têm fio, que eles pegaram em algum acampamento e que usam até acabar. Eles, quando deixam um lugar, levam suas redes, arco e flecha e outros pertences, mas deixam sinais característicos, como marcas de coleta de mel ou açaí. O pessoal especializado em leitura desses sinais não tem dúvida de que o que vimos foi de índio isolado Awá, e não dos índios já aldeados - disse Leonardo Lenin, que acompanhou duas expedições. Ele afirma que os 27 povos isolados estão espalhados por Amazonas, Pará, Mato Grosso, Rondônia, Acre, Roraima, Amapá e Maranhão.
É espantoso que, tantos séculos depois da chegada dos portugueses, ainda haja índios isolados em tantas áreas do Brasil, mesmo que o espaço para eles esteja se estreitando. Algumas pistas estão sendo seguidas, de outras etnias, até perto das obras do PAC, como são as hidrelétricas do rio Tapajós ou a de Belo Monte.
O plano de contingência que está sendo feito agora, para os Awá da T.I. Arariboia, também poderá ser usado, se as obras das hidrelétricas acabarem tornando inevitável a iniciativa da Funai de contato com índios isolados na região. O Brasil é assim: complexo, diverso, desafiador.
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