domingo, agosto 11, 2013

Receita de meditação - CARLOS AYRES BRITTO

ZERO HORA - 11/08

Basta juntar três ingredientes. Apenas três, cujos nomes são: isolamento, quietude, silêncio



Depois de exercitar a meditação oriental por 20 anos, chego à conclusão de que ela ajuda muito a ler os movimentos labiais do tempo. A tocar na pele das cores com dedos de cetim. A fisgar o silêncio e a deixar-se deglutir por ele. A engatar na subida do êxtase uma recidiva azul. Mas não é só. A meditação auxilia a compreender que a silhueta da verdade só assenta em vestidos transparentes. Que sem o eclipse do ego ninguém se ilumina. Que as nossas rugas aumentam para que as nossas rusgas diminuam. Que somente os súditos do amor é que são soberanos na vida, porque o único espantalho de Deus que funciona é um coração fechado.
Num esforço ainda maior de síntese, afirmo que a meditação é a melhor amiga do nosso equilíbrio psicofísico e crescimento espiritual. Um dos mais aplainados caminhos para nos devolver à condição de gente. Ser humano. Mas ser humano por sentir e pensar, nessa ordem, em grau de refinamento superior ao de qualquer outro espécime animal. E que bem pode conciliar essas duas elementares dimensões do ser para, num salto quântico ou de superlativa qualidade, partejar o rebento da consciência. O que já significa o alcance de um estado tão maduro de formação subjetiva que nos dá a quase antecipada certeza do bom uso individual e social das informações com que a vida contemporânea nos abarrota. Livres que tendemos a ficar daqueles rompantes de um temperamento sanguíneo que nos torna fios desencapados ou granada de pino puxado em face de pessoas e fatos que eventualmente nos contrariem.
Que fazer, então, para nos entregar de corpo e alma (pra não dizer de “mala e cuia”) a essa tão miraculosa fada-madrinha que estamos a chamar de meditação? A receita é simples. Basta juntar três ingredientes. Apenas três, cujos nomes são: isolamento, quietude, silêncio. Receituário que abre para o ser humano a forte possibilidade de sua transformação em hotel de infinitas estrelas onde possam se hospedar, como ótimos vizinhos de quarto, o profano e o divino. A serenidade e a sensatez. A ternura e a firmeza.
Vamos repetir: primeiro que tudo, o isolamento. O ficar sozinho ou no mais dentro de nós mesmos, ainda que haja alguém por perto. Alguém por perto, pode acontecer, mas sempre do lado de fora da nossa mais centrada introspecção. Do nosso voo solo em demanda de altitudes a que só podemos chegar sem a companhia de quem quer que seja. Em segundo lugar, a quietude. Mas uma quietude que signifique pisar forte no freio do bulício pessoal. O estar a salvo do vai-e-vem do pescoço, do nervoso balanço das pernas, da curiosidade dos olhos por tudo em volta e da mexida das mãos pelo nosso corpo e pelas solícitas franjas do ar. Por último, o silêncio. O nosso próprio e absoluto silêncio. Não o dos outros. Não dos automóveis, animais, pássaros, do balançar de árvores e do estalar dos raios.
Pois bem, presentes que estejam os três estratégicos ingredientes do isolamento, do silêncio e da meditação, o que nos cabe é fechar os olhos e ficar ao dispor deles. Inteira e confiantemente. Eles que façam de nós o que bem entenderem, pois sempre que os três se juntam é para se transfundir num único ser. Para personalizar-se num autonomizado ente. Numa espécie de maestro que nos ensina a tocar a sinfonia do tudo ouvir sem dar a menor opinião. Acriticamente. Como uma testemunha que persiste neutra até mesmo quando se vê como o foco de sua observação. O meditante enquanto sujeito que testemunha e pessoa testemunhada, ao mesmo tempo, sem que nenhum “dos dois” palpite sobre nada.
Para essa predisposição de entrega tão completa quanto confiante ao referido ser trino e ao mesmo tempo uno, ajuda o entrelaçar das pernas em posição de Buda. Que é a conhecida posição de lótus. Um minuto, dois minutos, dez minutos, vinte minutos por dia, o que der… Aí é só esperar que o novo ser a que nos entregamos nos premie com vislumbres, lampejos, flashes do infinito e do eterno. Frestas que se abrem para o Céu, falemos assim. É o que nos basta para esvaziar a mente e ver esse vazio instantaneamente preenchido pelo Universo. Não esvaziar a mente por um subjetivo querer do meditante, mas por uma objetiva vontade do isolamento, da quietude e do silêncio em absoluto estado de osmose. E a cada vez que se dá esse mágico instante de tomada do meditante pelo Universo, sobrevém a certeza de que o nada não pode ser o derradeiro anfitrião de tudo.


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