O GLOBO - 11/08
Tucanos e comissários reagem aos malfeitos de companheiros radicalizando a política para blindar corruptos
Para o PT o julgamento do mensalão é uma armação. Para o PSDB, na investigação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica em torno do propinoduto alimentado por grandes empresas de equipamentos em São Paulo, o órgão vem "se comportando como polícia política". As duas condutas são radicalizações teatrais que tentam blindar hierarcas metidos em maracutaias. Comissários e tucanos precisam refletir sobre o ensinamento do presidente americano Richard Nixon, que foi obrigado a renunciar por causa do escândalo Watergate: "Não é o crime que te ferra, é a tentativa de encobri-lo".
Todos os condenados do mensalão são réus confessos (segundo eles, de crimes leves e prescritos). No caso do cartéis formados em São Paulo e Brasília, a documentação reunida pelo Cade é devastadora. Para acreditar que os transportecas não soubessem de nada, seria necessário que fossem tão ineptos a ponto de provocar um descarrilamento por semana. O Judiciário suíço já condenou a companhia francesa Alstom por ter aspergido propinas pelo mundo e sequestrou 7,5 milhões de euros de um transporteca da gestão do governador Luiz Antônio Fleury, levado a uma diretoria dos Correios no governo de FHC. O tucanato reclama dizendo que não tem acesso ao processo do Cade. Afinal, ele corre em sigilo (um sigilo meio girafa, pois diversos advogados têm cópias), mas as denúncias vêm de 1995 e o Ministério Público paulista arquivou 15 inquéritos. Problema dele.
O caso adquiriu outra dimensão quando a empresa alemã Siemens passou a colaborar com as investigações. O que o Cade já ouviu expõe tramoias com duas camadas distintas, que se intercomunicam. Uma é a armação do cartel. Grosseiramente, pode-se imaginar que duas empresas possam fornecer determinados equipamentos licitados por um órgão público. Elas poderiam disputar a encomenda, mas a mão invisível sugere-lhes que se juntem, formando um consórcio. Essa parte já foi desvendada.
A segunda camada, para a qual a obtenção de provas depende da colaboração de um dos interessados (no caso paulista há seis), envolve a gratificação pedida pelo agente público que aceita, ou assessora, o cartel. Admita-se que num acerto houvesse só duas empresas e cada uma foi informada de que deveria pingar 100. Num caso, o intermediário ficou com 50. Admita-se que na outra empresa ocorreu a mesma coisa. Assim, a mão visível do poder público pediu 200 e receberia 100. Pela lei geral das comissões, os intermediários garfam 10%, portanto sobram apenas 90% ao destinatário final, que pode ser uma pessoa, grupos, ou partidos. Resultado: dos 200 embutidos no preço, 110 sumiram no caminho. No mundo dos fatos, as conversas das transações paulistas ocorriam em finos restaurantes e pelo menos um dos interessados fazia-se acompanhar por simpatias iniciadas na casa de alegrias Bahamas.
A essa altura da investigação as duas camadas têm interesses diversos. A de cima quer denunciar o conjunto da investigação, negando tudo. A de baixo quer que a polêmica fique assim, rogando aos céus (sem chances de sucesso) que a circulação de propinas seja esquecida ou, pelo menos, vá para um segundo plano.
A blindagem do tucanato acabou. Até agora, ele replicou a estratégia do PT com o mensalão e de Nixon com o Watergate. O PSDB diz que o PT protege corruptos e o PT diz que o protetor de corruptos é o PSDB. E se os dois estiverem certos? Desacreditam e corroem tanto a política como a própria democracia. Ambos poderiam aceitar uma lição da história recente.
Em 1999, o ex-chanceler Helmut Kohl, unificador da Alemanha, era senhor de seu partido e foi envolvido num escândalo de caixa dois eleitoral. Durante alguns meses negou tudo, até que reconheceu ter recebido as doações, por ser o líder de seu partido. Semanas depois, uma correligionária inexpressiva, que chegara ao ministério porque era sua protegida, publicou um artigo pedindo aos democrata-cristãos que se afastassem de Kohl. Seis anos depois eles voltaram ao poder e Angela Merkel tornou-se primeira-ministra da Alemanha.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é idiota e hipocondríaco. Por isso, jamais brigou com médico. O cretino viu que muitas cabeças coroadas da medicina nacional, bem como associações de classe, meteram-se numa luta feroz contra a vinda de médicos estrangeiros para o mercado brasileiro. Por hipocondríaco, apoia todos os doutores.
Por idiota, acha que em pelo menos um caso deve ser importado um médico estrangeiro para a Maternidade Ester Gomes, de Itabuna (BA). Lá, o marido de Joelma Sousa Rocha foi achacado pelo médico Luís Lei, que lhe cobrou R$ 1.200 para fazer o parto da jovem. Ele tinha duas horas para trazer o dinheiro, ou nada.
Denunciado o episódio, o doutor, que tem vinte anos de casa, devolveu o capilé, mas o hospital informou que nada lhe acontecerá além de uma advertência, pois faltam obstetras no estabelecimento. Há doze.
O idiota não viu manifestação de médicos ilustres ou associação de profissionais relacionada com esse caso.
TROPA DE ELITE
Lembra da cena do filme "Tropa de Elite" na qual a PM põe um saco plástico na cabeça de um preso? Ela era aplaudida na plateia.
No dia 14 de julho uma testemunha teria visto um homem exatamente nessa situação dentro dos limites da UPP da Rocinha. Ele vestia short e gritava por ajuda.
Cadê o Amarildo?
CALENDÁRIO
A partir desta semana começam no STF os debates em torno dos recursos dos réus do mensalão.
Se os ministros decidirem a parada antes do dia 7 de setembro, tudo bem. Se o caso ainda estiver aberto, as ruas roncarão.
MILAGRE DE FRANCISCO
O papa Francisco chegou ao Brasil no dia 22 de julho. O leilão do trem-bala estava marcado para 19 de setembro.
O consórcio espanhol que disputava o negócio pediu tempo e afastou-se do leilão. Ficaria só a empresa Alstom, destacada personagem do escândalo do propinoduto paulista, que se arrasta há mais de dez anos.
Pode-se atribuir a Francisco o milagre de ter poupado a doutora Dilma de confirmar um leilão com um só concorrente, logo a Alstom.
MADAME NATASHA
Madame Natasha aposentou-se depois de trabalhar 35 anos numa empreiteira. Ela torce para que a investigação do propinoduto dos transportes paulista provoque o banimento da palavra "consórcio" na designação de empreitadas de obras públicas.
Ela sabe que nove em dez "consórcios" são montados para diluir a competição entre as empresas. Ela não tem esperança de que essa prática mude, apenas defende o idioma.
ALMA LAVADA
O laudo do legista americano que contesta a tese da polícia paulista segundo a qual, em março de 2008, Anna Jatobá esganou a menina Isabella antes que seu marido a atirasse do sexto andar de um prédio lava a alma do repórter Antonio Carlos Prado.
Desde setembro de 2008 ele sustentava que a dinâmica do crime apresentada pela polícia não ficava em pé, pois a criança não havia sido esganada. O que houve, ele não sabe, mas hoje sabe-se que não aconteceu o que a polícia informou.
ALCKMIN COME FRIO
Desde que a Tropa de Choque da PM paulista ajudou a expandir as manifestações de junho, o governador Geraldo Alckmin estava de olho no seu comandante.
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