CORREIO BRAZILIENSE - 12/07
As medidas provisórias viraram um "feirão", em que cabe de tudo. A MP 610, aprovada esta semana, é um exemplo de como o arcabouço legal brasileiro está virando uma mistura de alhos com bugalhos
Um amigo muito antenado em política sugere substituir medidas provisórias, as MPs, por MZ ou MB, de “muita zona” ou “muita bagunça”. A sugestão vem a calhar. Não é de hoje que cresce o número de assuntos variados dentro de uma mesma medida. E, agora, os líderes do governo vêm com um dispositivo pior: colocar dentro de uma MP que ainda “respira” temas daquelas que estão sob risco de perder a validade. Ou seja, a zorra legal está instalada.
Esta semana, por exemplo, o relator da Medida Provisória 612, deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), comentava que sua MP estava “ferida de morte” e que o governo já havia lhe informado que a parte relativa a desonerações de folha de pagamentos de vários setores seria “transferida” para a Medida Provisória 610, que tratava inicialmente do auxílio emergencial a famílias afetadas pela seca.
A MP 610 chegou ao Congresso enxuta, com 11 artigos. Trazia a “garantia-safra” para agricultores familiares de municípios situados na região da Sudene que porventura tivessem perdido em média 50% da produção por causa da estiagem. Ela terminou aprovada ontem com um texto de fazer inveja a verdadeiros tratados. São 39 páginas e quase 50 artigos, contendo uma parafernália de incisos e parágrafos.
O volume maior está relacionado em parte com a transferência dos artigos de outras MPs, com a 601, que perdeu a validade. No caso da 612, o problema é que a transferência para a 610 não “carregou” as emendas apresentadas ao texto que Kaefer está relatando. Assim, os enxertos de uma MP em outra dificilmente podem ter o mérito modificado em plenário, porque não há emendas capazes de modificar essas partes novas apresentadas diretamente à MP receptora.
Vale-tudo
Esses enxertos e a vontade dos políticos de agradar a tudo e a todos nessa temporada de manifestações transformam muitos projetos de lei de conversão — nome pomposo que os congressistas dão aos textos das medidas provisórias modificadas — num “feirão”. O da 610 é apenas mais um exemplo. Ali, entraram artigos que torna hereditária a permissão de táxis e subsídio de R$ 0,40 para empresas de etanol da região norte fluminense, por litro desse bem produzido e comercializado nas safras de 2011 e 2012.
É tanta gambiarra que será cada vez mais difícil para qualquer juiz brasileiro conseguir decifrar a legislação brasileira sobre determinado tema, uma vez que as medidas provisórias e os chamados projetos de lei de conversão modificam, a cada dia, grande parte do arcabouço legal do país. Localizar um artigo sobre determinado tema numa saraivada de projetos torna-se loucura. É o caso, por exemplo, desse subsídio do etanol a empresas do Rio de Janeiro incluído num projeto que trata de seca do Nordeste, desonera a folha de pagamento de empresas de vários setores e, para completar, ainda torna hereditária a permissão de táxis.
Conforme comentava há dois dias uma jornalista experiente dentro do comitê de imprensa do Senado, “se eu continuar lendo o projeto de conversão dessa MP 610 tenho certeza que vou encontrar um artigo dizendo que fica instituída a vacinação gratuita do meu cachorro”. Se brincar, era só mesmo o que faltava.
Enquanto isso, no Planalto...
O governo, a partir de hoje, terá que mudar a estratégia de usar os vetos como recurso para salvar projetos cujas negociações naufragam, ou seja, a maioria. Agora, com 30 dias de prazo para apreciação, sob pena de trancar a pauta, é chegada a hora de negociar tudo à exaustão e, quando razoável, ceder — coisa que o governo Dilma Rousseff raramente faz quando se trata de projetos de lei em tramitação na Casa. Diante disso, cresce, a cada dia, os rumores de mudança geral na área política do governo, em especial, para lidar com a Câmara, onde a confusão hoje está maior do que no Senado. Não será surpresa se, no próximo semestre, o atual ministro do Esporte, Aldo Rebelo, voltar para o posto que já ocupou no governo Lula.
E no gabinete presidencial...
Dilma, entretanto, parece não ter pressa. Nem se apresenta tão desesperada quanto querem fazer crer os congressistas. Ontem, por exemplo, muito bem humorada e ainda brincando com assessores, ela gravou com exclusividade para a Rede Vida, emissora oficial da Jornada Mundial da Juventude, uma mensagem de acolhida ao papa Francisco e aos jovens que, na semana que vem, estarão no Rio de Janeiro para o evento. Talvez estejam chegando os tempos de “Dilminha paz e amor”. Resta saber se a base aliada permitirá que a presidente mantenha esse humor em alta. Até aqui, tudo indica que o clima das excelências é outro.
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