ESTADÃO - 12/07
Dona Dilma está possessa. E quando está assim desconta a sua raiva em todos os que trabalham ao seu lado. Estes, se tivessem mais brios, apresentariam de imediato sua carta de demissão. Mas o problema que os aflige não é só de ego ferido, é, no fundo, de empregabilidade. Quem na área privada se disporia a arranjar uma colocação condigna para o atual ministro da Pesca, se ele só conhece peixe de supermercado, que já vem carimbado com o selo do SIF? Prefiro não citar o nome de ninguém, até porque os desconheço. Sei, porém, que há uma ministra para garantir a igualdade racial, outra para formular políticas que promovam as mulheres no espaço público e outros tantos cujo desempenho passa despercebido, porque são nada menos que 39 - até agora. Em sua maioria, nunca tiveram uma chance de garantir um despacho a sós com nossa presidente. Nem que fosse na base do "se vira nos 30"...
Essa equipe, tão zelosa, ao que se sabe, quando cruza em algum corredor com a presidente, leva ao menos um desaforo para casa: é a chamada "bronca preventiva".
"O segundo violino está claramente desafinado!"
"Mas, sra. maestrina, o segundo violino não está presente!"
"Não importa, quando ele chegar, repreendam-no!"
No breve período em que estive no Ministério, tinha apenas 12 colegas de função. As viagens de jatinho só podiam ser feitas por motivo de saúde ou a trabalho, quando nossos destinos não eram contemplados por linhas aéreas regulares. Vali-me desse serviço somente quando precisei ser operado de emergência. Justiça seja feita, o único colega com quem sempre me encontrava nos voos de carreira de sexta-feira, após o expediente, era o respeitável ministro da Saúde, o dr. Adib Jatene.
Apesar de todo esse recato e tanta cautela, o presidente Fernando Collor acabou sofrendo impeachment no Congresso. E eu tratei de voltar para lá. Ainda contava com algum prestígio, tanto que dois anos após logrei obter nas urnas novo mandato.
Dediquei ao menos um ano a desvendar o mistério Collor. No frigir dos ovos, ele acabou sendo impedido por duas razões: apropriação indébita de uma Fiat Elba e pagamento dos mitológicos "jardins da Dinda". Ora, isso era migalha perto do que vem ocorrendo no País nos últimos dez anos. Não havia, de fato, provas mais contundentes para ensejar o que houve.
Questionei todos os parlamentares que respeitava e de quem era amigo. O então senador Fernando Henrique Cardoso apresentou-me o seguinte argumento: "Eu até poderia absolvê-lo. Ocorre que, mesmo se Collor vencesse no Congresso, não teria mais nenhum crédito. Sua governabilidade fora a pique. Não havia mais nada a fazer". Já Delfim Netto deu sua resposta em entrevista a um órgão da mídia: quem dissesse que Collor caíra por corrupção era cínico ou mal informado. Segundo Delfim, a classe política não podia mais tolerar um presidente tão volúvel, que, qual biruta de aeroporto, mudava de posição a cada momento. Collor não caiu por corrupção, mas porque se tornara absolutamente inconfiável.
Por último, a opinião de Roberto Campos: Collor falhou várias vezes. A primeira, antes da posse, ao convidar para compor seu Ministério pessoas de quem nem sequer ouvira falar - Antônio Rogério Magri, para o Trabalho e Previdência Social, e Zélia Cardoso de Mello, do quinto escalão do Ministério da Fazenda no governo Sarney, de quem acabou se tornando amigo por ser ela a responsável por manter relacionamento com os governadores do Norte.
O mais pitoresco foi Bernardo Cabral. Collor conhecia-o da Constituinte, de que Cabral fora o relator. Só isso bastou para guindá-lo à pasta da Justiça. Notório conquistador, Cabral resolveu arrebatar o coração de Zélia, o que conseguiu levando-a Paris. Foi uma grande decepção para ela: ao acordar, percebeu que quem lhe jurara amor eterno partira, deixando-lhe um simples bilhete.
A situação de Collor a essa altura já era crítica. Cabe lembrar que, por sugestão de sua ministra da Fazenda, ele havia confiscado a poupança de todos os brasileiros. Foi então que decidiu mudar todo o Ministério. Nessa ocasião é que fui convocado e, confesso, tive imenso prazer em viver essa experiência. Todos nós, os 13 ministros da segunda fase do governo Collor, tínhamos ciência de que não haveria outra chance. Corria entre nós, dos escalões superiores, um gracejo que tinha muito de verdade: errar é humano, perdoar é divino, mas dali em diante nenhum dos dois seria aceito no governo. Jorge Bornhausen, uma espécie de primeiro-ministro, alertava-nos de que, mais do que ministros, representávamos uma nova face do governo. O novo Ministério haveria de ocupar exclusivamente as páginas de política dos jornais, jamais as de crimes, como antes. Esse novo Ministério durou apenas seis meses. Saí de lá com a cara lavada e reassumi minha cadeira na Câmara dos Deputados. Reeleito, fiquei em Brasília mais quatro anos.
A título de lembrança da época, um amigo comentou comigo que assistira no YouTube aos momentos finais do governo e constatara que, fora eu, não havia nenhum outro ministro presente. Essa é uma passagem de que, paradoxalmente, guardo uma ponta de orgulho. Por três dias a Casa Militar convidara insistentemente todos os membros do primeiro e do segundo escalões a prestar solidariedade ao presidente que saía. Quase todos se esquivaram, com receio, talvez, de cair no opróbrio popular. Outros deixaram de comparecer por motivo mais mesquinho: já se haviam acertado com o vice-presidente e temiam que sua presença ao lado de Collor pudesse gerar algum mal-entendido com a equipe que entrava.
Eu tratei de ficar o tempo todo ao lado do presidente e ainda fiz questão de acompanhá-lo até o helicóptero, sob vaia geral. Voltei para casa sozinho. Aos 36 anos de idade, acabara de vivenciar a experiência política mais dramática de toda a minha vida.
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