O GLOBO - 12/07
Há ciclos históricos decisivos bem claros no estudo dos momentos constituintes de transição comparados desde os albores da civilização. No Brasil não tem sido diferente. A transição do Brasil Colônia para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves começou com a saída estratégica de D. João VI da Europa, ludibriando Napoleão com o apoio logístico da Inglaterra. À transição dessa nossa fugaz Monarquia para o Império correspondeu a pressão das Cortes de Portugal para que o monarca retornasse à Europa, pela importância e prevalência que o Brasil vinha assumindo na união do reino. Disso resultou o movimento pela nossa Independência. Ali foi de transcendental importância, não apenas o movimento popular liderado pelos irmãos Andrada, mas a figura discreta de Silvestre Pinheiro Ferreira, filósofo e conselheiro de D. João VI e posteriormente de Pedro I. Oliveira Lima e Otávio Tarquínio de Souza se ocupam desse período com maestria e fartura de detalhes. Daí resulta a Constituição de 1824.
A queda do Império, por sua vez, foi prenunciada pelo esgotamento do período imperial, emblematizado pelo Baile da Ilha Fiscal e tendo como pano de fundo os movimentos abolicionista e republicano que resultaram no golpe militar, com Deodoro da Fonseca proclamando a República e com o surgimento das figuras ímpares de Joaquim Nabuco de Araújo e Rui Barbosa. Surge a Constituição de 1891. Já o fim da República Velha teve como emblema os gaúchos amarrando os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco na Revolução de Trinta. Vem a Revolução Constitucionalista de 1932 porque Getúlio Vargas se nega a a mexer na antiga e é obrigado a editar a Constituição de 1934, que dura pouco, sucedida pela Polaca de 1937. O fim do Estado Novo, com as grandes passeatas dos estudantes pressionando o ditador para entrar na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Autores como Thomas Skidmore, Arthur José Poerner e Maria Victoria Benevides pintam com clareza o retrato daqueles tempos, com o surgimento de UDN, PTB e PSD, na redemocratização. Desse movimento resulta a Constituição democrática de 1946.
Ao Golpe Militar de 1964, correspondem o Comício da Central e a Marcha da Família com Deus pela Democracia, corolário de uma bem urdida conspiração das Forças Armadas com o apoio da CIA, do Pentágono e do Departamento de Estado dos Estados Unidos. René Armand Dreifuss praticamente esgota o tema em seu antológico livro 1964 - A conquista do Estado . Nesse período de vinte anos de exceção edita-se a Constituição de 1967 com a Emenda de 1969, consolidando os famigerados Atos Institucionais.
À Nova República, correspondem as grandes manifestações de rua pelas Diretas Já, que desaguaram na eleição de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985, com as próprias armas congressuais casuísticas engendradas pelo regime militar. Estava implantada no Brasil a Nova República, com a ordem constitucional consubstanciada posteriormente na Carta de 1988, a partir das eleições de 1986 para o Congresso Constituinte que a elaborou. Inúmeros autores e a própria crônica recente dos jornais se ocupam desse período.
Agora cai a Nova República com essas gigantescas movimentações apartidárias de massa inusitadas pelo Brasil afora, fomentadas e fermentadas pelas redes sociais sob o olhar perplexo e atônito das instituições, da mídia e da classe política. Governo e Oposição não sabem o que fazer nem como se situar. Os partidos políticos, canais naturais de comunicação da sociedade com o Estado, são escorraçados das passeatas com seus estandartes rasgados e pisoteados. Uma nova ordem se impõe. Ordem confusa ainda pela ebulição do caldeirão das ruas. Sem lideranças visíveis ou tangíveis. Sem porta-vozes, senão a voz uníssona do descontentamento generalizado. Tudo está ainda muito nebuloso, mas já se prevê um novo ciclo histórico nascente, com o fim da ordem constitucional de 1988. É o fim desse ciclo iniciado há mais trinta anos, com a abertura democrática de Figueiredo, sucedendo a cautelosa distensão lenta, gradual e segura que Jimmy Carter praticamente impôs a Geisel e que resultou na queda, quase que simultânea, das ditaduras militares do Cone Sul. Os partidos políticos brasileiros de agora, canais por onde deveriam fluir as demandas da sociedade junto ao Estado, não mais representam o eleitor repugnado com o fisiologismo e com a corrupção generalizada. E, historicamente, todas as vezes que isso acontece, o Estado se distancia da sociedade e esta vai para as ruas, com manifestações mais ou menos virulentas, conforme o grau desse distanciamento e desse divórcio. São momentos extremamente delicados esses porque é neles que vicejam os salvadores da pátria e os grandes déspotas. E as grandes demagogias vêm à luz e à tona, por dentro e por fora do Governo.
Bem a propósito, vem a lição de Nabuco de Araújo sobre a dinâmica constitucional em momentos como esse de plebiscito extemporâneo, convocado pela presidente da República. Nabuco trata explicitamente a Constituição como um organismo vivo que caminha, e adapta-se às funções diversas que em cada época tem necessariamente que produzir . Cabe aos poderes constituídos dessa nossa frágil República em franca dissolução cumprir essa sentença de um dos maiores brasileiros de todos os tempos. O plebiscito já foi feito com o povo nas ruas e com o clamor da opinião pública: caiu a Nova República. Cabe ao Congresso adaptar a Constituição vigente para a inauguração da próxima. Teremos eleições gerais em 2014. Pois que venham. A campanha já começou.
A queda do Império, por sua vez, foi prenunciada pelo esgotamento do período imperial, emblematizado pelo Baile da Ilha Fiscal e tendo como pano de fundo os movimentos abolicionista e republicano que resultaram no golpe militar, com Deodoro da Fonseca proclamando a República e com o surgimento das figuras ímpares de Joaquim Nabuco de Araújo e Rui Barbosa. Surge a Constituição de 1891. Já o fim da República Velha teve como emblema os gaúchos amarrando os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco na Revolução de Trinta. Vem a Revolução Constitucionalista de 1932 porque Getúlio Vargas se nega a a mexer na antiga e é obrigado a editar a Constituição de 1934, que dura pouco, sucedida pela Polaca de 1937. O fim do Estado Novo, com as grandes passeatas dos estudantes pressionando o ditador para entrar na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Autores como Thomas Skidmore, Arthur José Poerner e Maria Victoria Benevides pintam com clareza o retrato daqueles tempos, com o surgimento de UDN, PTB e PSD, na redemocratização. Desse movimento resulta a Constituição democrática de 1946.
Ao Golpe Militar de 1964, correspondem o Comício da Central e a Marcha da Família com Deus pela Democracia, corolário de uma bem urdida conspiração das Forças Armadas com o apoio da CIA, do Pentágono e do Departamento de Estado dos Estados Unidos. René Armand Dreifuss praticamente esgota o tema em seu antológico livro 1964 - A conquista do Estado . Nesse período de vinte anos de exceção edita-se a Constituição de 1967 com a Emenda de 1969, consolidando os famigerados Atos Institucionais.
À Nova República, correspondem as grandes manifestações de rua pelas Diretas Já, que desaguaram na eleição de Tancredo Neves em 15 de janeiro de 1985, com as próprias armas congressuais casuísticas engendradas pelo regime militar. Estava implantada no Brasil a Nova República, com a ordem constitucional consubstanciada posteriormente na Carta de 1988, a partir das eleições de 1986 para o Congresso Constituinte que a elaborou. Inúmeros autores e a própria crônica recente dos jornais se ocupam desse período.
Agora cai a Nova República com essas gigantescas movimentações apartidárias de massa inusitadas pelo Brasil afora, fomentadas e fermentadas pelas redes sociais sob o olhar perplexo e atônito das instituições, da mídia e da classe política. Governo e Oposição não sabem o que fazer nem como se situar. Os partidos políticos, canais naturais de comunicação da sociedade com o Estado, são escorraçados das passeatas com seus estandartes rasgados e pisoteados. Uma nova ordem se impõe. Ordem confusa ainda pela ebulição do caldeirão das ruas. Sem lideranças visíveis ou tangíveis. Sem porta-vozes, senão a voz uníssona do descontentamento generalizado. Tudo está ainda muito nebuloso, mas já se prevê um novo ciclo histórico nascente, com o fim da ordem constitucional de 1988. É o fim desse ciclo iniciado há mais trinta anos, com a abertura democrática de Figueiredo, sucedendo a cautelosa distensão lenta, gradual e segura que Jimmy Carter praticamente impôs a Geisel e que resultou na queda, quase que simultânea, das ditaduras militares do Cone Sul. Os partidos políticos brasileiros de agora, canais por onde deveriam fluir as demandas da sociedade junto ao Estado, não mais representam o eleitor repugnado com o fisiologismo e com a corrupção generalizada. E, historicamente, todas as vezes que isso acontece, o Estado se distancia da sociedade e esta vai para as ruas, com manifestações mais ou menos virulentas, conforme o grau desse distanciamento e desse divórcio. São momentos extremamente delicados esses porque é neles que vicejam os salvadores da pátria e os grandes déspotas. E as grandes demagogias vêm à luz e à tona, por dentro e por fora do Governo.
Bem a propósito, vem a lição de Nabuco de Araújo sobre a dinâmica constitucional em momentos como esse de plebiscito extemporâneo, convocado pela presidente da República. Nabuco trata explicitamente a Constituição como um organismo vivo que caminha, e adapta-se às funções diversas que em cada época tem necessariamente que produzir . Cabe aos poderes constituídos dessa nossa frágil República em franca dissolução cumprir essa sentença de um dos maiores brasileiros de todos os tempos. O plebiscito já foi feito com o povo nas ruas e com o clamor da opinião pública: caiu a Nova República. Cabe ao Congresso adaptar a Constituição vigente para a inauguração da próxima. Teremos eleições gerais em 2014. Pois que venham. A campanha já começou.
Um comentário:
O Governo Provisório da Revolução de 30 suspendeu logo a Constituição de 1891. Como é que Getúlio se negou "a mexer na antiga"?
Postar um comentário