O governo pensou que estrelas seriam lustradas, bandeiras, sacudidas, e o PT e os partidos da coalizão governamental exibiriam controle majoritário no movimento social organizado. Mas foi uma manifestação bem mais vazia do que imaginaram, e os interesses defendidos foram diversificados. Os médicos que protestaram mostraram sua discordância em relação às últimas propostas para o setor, como a contratação de médicos estrangeiros e os dois anos obrigatórios de serviço ao SUS. Os professores querem mais dinheiro para educação. Os portuários querem aumento salarial e reivindicam pontos que não foram contemplados na Lei dos Portos.
Houve bandeiras diversas, nenhuma defendendo o governo da posição enfraquecida em que se encontra. Não foi o que Brasília sonhou que fosse, no primeiro momento.
As próprias centrais sindicais, mesmo todas juntas, como CUT, CGT, Força Sindical, entre outras menos votadas e representativas, mostraram que não conseguiram fazer sombra à força da participação espontânea, quando ela irrompeu em junho. O movimento, quando aconteceu, deixou as centrais confusas. Achavam que tinham o monopólio de levar manifestantes para as ruas e foram surpreendidas. O movimento de ontem foi convocado para mostrar que elas ainda sabem como encher avenidas com seus seguidores.
O que mais impressionou no Dia Nacional de Lutas foi o uso abusivo do que é cada vez mais comum nos últimos tempos: bloqueio de rodovia como ato de protesto. Isso, seja qual for o motivo da reivindicação, cria uma série de problemas para o país, limita o direito de ir e vir, afeta o escoamento do abastecimento de produtos, que é majoritariamente rodoviário. E, como se viu ontem, virou a forma mais comum de protesto.
Várias categorias têm antigas reivindicações e ontem foram falar dessas lutas específicas, algumas com maior ou menor grau de viabilidade. As Centrais apresentaram o que as tem unido há muito tempo: fim do fator previdenciário e a redução da jornada sem redução do salário, fim da terceirização.
Ficando em apenas urna dessas bandeiras: o fator previdenciário foi uma solução temporária, enquanto o governo não conseguia fazer uma reforma da previdência que torne toda essa questão mais racional. Os brasileiros têm uma expectativa de vida maior, mas relutam em seguir o que acontece em outros países do mundo, que é adiar a aposentadoria e estabelecer a idade mínima. O fator previdenciário foi uma gambiarra feita para contornar essa incapacidade. Deveria terminar, desde que o país, antes, mudasse a previdência. Mas até uma pequena e justa mudança que foi defendida tempos atrás já está arquivada: a de que viúvas jovens não herdem o valor integral da aposentadoria, principalmente na Previdência Pública. Nos outros países, isso é diferenciado: o percentual do que herdam depende da idade, de ter ou não filhos pequenos, do nível de renda. Do jeito que é no Brasil, tem se multiplicado o caso de idosos que deixam sua aposentadoria para pessoas mais jovens através de vários estratagemas. O déficit previdenciário já é alto demais, a população está envelhecendo. Nos outros países, já foram abolidas regras que aprofundam o déficit no Brasil.
Até a mais governista das centrais, a CUT, tinha críticas a fazer. As críticas foram ao Banco Central e à elevação dos juros, que definiram como uma "excrescência".
O Dia Nacional de Lutas acabou sendo um mosaico de reivindicações — algumas justas, outras inviáveis, algumas corporativas, outras ideológicas — mas não foi demonstração de força do governo sobre o movimento social organizado. Não foi sequer demonstração de força das centrais sindicais sobre os trabalhadores.
Houve adesão, o dia esteve longe de ser normal, trabalhadores foram para as ruas, muitas categorias se manifestaram, mas a mobilização esteve abaixo do que os próprios sindicatos tinham imaginado. Enquanto isso, o governo continua enrolado na sua incapacidade de dar uma resposta à insatisfação que espontaneamente apareceu nas ruas de junho.
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