CORREIO BRAZILIENSE - 30/07
A passagem do papa Francisco pelo Brasil foi uma brisa fresca e reconfortante, para a Igreja, em sua hora de renovação, e para o Brasil e seu momento turbulento. Com simplicidade, a figura de "bispo alegre", como preconizou, o papa nos deu grandes lições nesses sete dias de uma convivência que não se limitou ao Rio nem à Jornada Mundial da Juventude. O mundo midiático levou a figura luminosa e a fala mansa a todas as casas.
Ele chegou dizendo que não trazia ouro nem prata, mas deixa-nos um legado valioso. Com o que disse e o que não disse, puxou-nos da mesquinharia cotidiana para um refrigério do espírito. Num tempo em que minorias radicais cometem depredações em série, a reunião pacífica de 3,5 milhões de pessoas na missa de domingo, em Copacabana, evidenciou seu poder de mobilização e a índole dominante no país. Francisco chegou cauteloso e foi seduzindo os brasileiros, inclusive os não católicos, como aquele garoto que participou da peregrinação com um cartaz: "Sou evangélico, mas gosto do papa". Em falas sucessivas, foi tocando nas feridas do Brasil e do mundo, mas sempre com a voz suave, jamais no tom severo ou sapiente dos bispos tristes. Falou de desigualdade, drogas, tragédias. "Candelária, nunca mais." Dos protestos atuais, ensinando que entre o vandalismo e a alienação pode existir o diálogo. De corrupção, pedindo aos jovens que não desistam de querer mudar o mundo. "O futuro exige hoje reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade." Na visita à favela , qual político conseguiria ser tão gentil, e ao mesmo tempo condenar o alcoolismo: "Queria bater em cada porta, dizer "bom dia", pedir um copo de água, beber um cafezinho, e não um copo de cachaça".
Um dos segredos de Francisco é a linguagem, plena de metáforas sutis, mas eficientes. Mais de uma vez condenou a cultura do consumo e do descartável, do ter acima de tudo. "Não há lugar para o idoso nem para o filho indesejado; não há tempo para se deter com o pobre caído à margem da estrada." Olha aí, no meio de frase, a alfinetada nos que defendem o aborto, embora não tenha colocado o dogma no centro dos discursos.
Sua missão é reformar e resgatar a Igreja, tirando-a do conforto das sacristias. No Brasil, ele acordou os bispos e dirigentes para o desafio. "Eu quero agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Eu quero que a Igreja vá para as ruas, eu quero que nós nos defendamos de toda acomodação, imobilidade, clericalismo. Se a Igreja não sai às ruas, se converte em uma ONG. A Igreja não pode ser uma ONG." E com que delicadeza ensinou-os que, assim como não existe mãe por correspondência, a Igreja não pode atuar através de bulas e homilias. Precisa tocar o próximo e buscá-lo. Na entrevista exclusiva ao repórter Gerson Camarotti, exibida pelo Fantástico, o tom coloquial realçou a personalidade sedutora e a vocação para a mudança. Explicou a opção pelo despojamento que tem despertado críticas, ainda contidas, dos setores mais conservadores do Vaticano, falando em populismo e demagogia. "Penso que temos que dar testemunho de uma certa simplicidade - eu diria, inclusive, de pobreza. O povo sente seu coração magoado quando nós, as pessoas consagradas, são apegadas a dinheiro."
A oratória clara e direta, mas sempre agradável, foi a chave da vitória na passagem pelo Brasil, com o mundo inteiro esperando sinais sobre os rumos do pontificado. Com enorme habilidade política, dizendo ou deixando de dizer, mostrou a quê veio. Evitou repisar os dogmas polêmicos, como os relacionados a celibato, aborto, homossexualidade e métodos contraceptivos. Seria inútil e pouco construtivo insistir nisso com os jovens, pois tais dogmas não vão cair, pelo menos tão cedo. Mas já voando, mostrou que, com ele, a Igreja será menos intransigente: "Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?". Condenou as correntes ideológicas dentro da Igreja, tanto as de viés marxista (Teologia da Libertação), como as voltadas ao passado, o conservantismo ortodoxo. Mas sinalizou também que não haverá perseguições. Até porque, a opção pelos mais pobres dialoga muito com a corrente socialmente engajada.
Passada a brisa, a vida continua e teremos semanas difíceis na política. Que a luz de Francisco ajude os que decidem e dissipe as brumas da intolerância que nos rondam.
Agosto quente
No governo, espera-se um mês de agosto agitado. Na próxima semana, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, marcará o dia de apreciação dos recursos apresentados pelos réus da Ação Penal 470, vulgo mensalão. Se os recursos forem rejeitados, a coisa para. Mas se forem aceitos, terá início uma fase de julgamento, com transmissões ao vivo e todos os debates que já vimos na primeira fase. Será fermento puro no mau-humor nacional. As sessões atravessarão agosto. E, como é sabido, está na agenda das ruas uma grande mobilização anticorrupção no 7 de Setembro. Afora isso, a pauta no Congresso tem assuntos para lá de polêmicos.
Mais médicos: MP ameaçada
A medida provisória do programa Mais Médicos, resposta do governo aos protestos contra a má qualidade da saúde, será analisada por uma comissão especial mista do Congresso, que já teve os integrantes indicados. Apesar do recesso, eles têm trocado figurinhas e há sinais de que a proposta da presidente Dilma pode ser bastante desfigurada. Um deles, o deputado peemedebista Francisco Escórcio (MA), arrisca: "Obrigar os estudantes de medicina a cumprir serviço obrigatório de dois anos no SUS é comprar uma briga ruim na hora errada. E dispensar os estrangeiros de fazer o exame Revalida soa como privilégio".
Ele chegou dizendo que não trazia ouro nem prata, mas deixa-nos um legado valioso. Com o que disse e o que não disse, puxou-nos da mesquinharia cotidiana para um refrigério do espírito. Num tempo em que minorias radicais cometem depredações em série, a reunião pacífica de 3,5 milhões de pessoas na missa de domingo, em Copacabana, evidenciou seu poder de mobilização e a índole dominante no país. Francisco chegou cauteloso e foi seduzindo os brasileiros, inclusive os não católicos, como aquele garoto que participou da peregrinação com um cartaz: "Sou evangélico, mas gosto do papa". Em falas sucessivas, foi tocando nas feridas do Brasil e do mundo, mas sempre com a voz suave, jamais no tom severo ou sapiente dos bispos tristes. Falou de desigualdade, drogas, tragédias. "Candelária, nunca mais." Dos protestos atuais, ensinando que entre o vandalismo e a alienação pode existir o diálogo. De corrupção, pedindo aos jovens que não desistam de querer mudar o mundo. "O futuro exige hoje reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade." Na visita à favela , qual político conseguiria ser tão gentil, e ao mesmo tempo condenar o alcoolismo: "Queria bater em cada porta, dizer "bom dia", pedir um copo de água, beber um cafezinho, e não um copo de cachaça".
Um dos segredos de Francisco é a linguagem, plena de metáforas sutis, mas eficientes. Mais de uma vez condenou a cultura do consumo e do descartável, do ter acima de tudo. "Não há lugar para o idoso nem para o filho indesejado; não há tempo para se deter com o pobre caído à margem da estrada." Olha aí, no meio de frase, a alfinetada nos que defendem o aborto, embora não tenha colocado o dogma no centro dos discursos.
Sua missão é reformar e resgatar a Igreja, tirando-a do conforto das sacristias. No Brasil, ele acordou os bispos e dirigentes para o desafio. "Eu quero agito nas dioceses, que vocês saiam às ruas. Eu quero que a Igreja vá para as ruas, eu quero que nós nos defendamos de toda acomodação, imobilidade, clericalismo. Se a Igreja não sai às ruas, se converte em uma ONG. A Igreja não pode ser uma ONG." E com que delicadeza ensinou-os que, assim como não existe mãe por correspondência, a Igreja não pode atuar através de bulas e homilias. Precisa tocar o próximo e buscá-lo. Na entrevista exclusiva ao repórter Gerson Camarotti, exibida pelo Fantástico, o tom coloquial realçou a personalidade sedutora e a vocação para a mudança. Explicou a opção pelo despojamento que tem despertado críticas, ainda contidas, dos setores mais conservadores do Vaticano, falando em populismo e demagogia. "Penso que temos que dar testemunho de uma certa simplicidade - eu diria, inclusive, de pobreza. O povo sente seu coração magoado quando nós, as pessoas consagradas, são apegadas a dinheiro."
A oratória clara e direta, mas sempre agradável, foi a chave da vitória na passagem pelo Brasil, com o mundo inteiro esperando sinais sobre os rumos do pontificado. Com enorme habilidade política, dizendo ou deixando de dizer, mostrou a quê veio. Evitou repisar os dogmas polêmicos, como os relacionados a celibato, aborto, homossexualidade e métodos contraceptivos. Seria inútil e pouco construtivo insistir nisso com os jovens, pois tais dogmas não vão cair, pelo menos tão cedo. Mas já voando, mostrou que, com ele, a Igreja será menos intransigente: "Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?". Condenou as correntes ideológicas dentro da Igreja, tanto as de viés marxista (Teologia da Libertação), como as voltadas ao passado, o conservantismo ortodoxo. Mas sinalizou também que não haverá perseguições. Até porque, a opção pelos mais pobres dialoga muito com a corrente socialmente engajada.
Passada a brisa, a vida continua e teremos semanas difíceis na política. Que a luz de Francisco ajude os que decidem e dissipe as brumas da intolerância que nos rondam.
Agosto quente
No governo, espera-se um mês de agosto agitado. Na próxima semana, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, marcará o dia de apreciação dos recursos apresentados pelos réus da Ação Penal 470, vulgo mensalão. Se os recursos forem rejeitados, a coisa para. Mas se forem aceitos, terá início uma fase de julgamento, com transmissões ao vivo e todos os debates que já vimos na primeira fase. Será fermento puro no mau-humor nacional. As sessões atravessarão agosto. E, como é sabido, está na agenda das ruas uma grande mobilização anticorrupção no 7 de Setembro. Afora isso, a pauta no Congresso tem assuntos para lá de polêmicos.
Mais médicos: MP ameaçada
A medida provisória do programa Mais Médicos, resposta do governo aos protestos contra a má qualidade da saúde, será analisada por uma comissão especial mista do Congresso, que já teve os integrantes indicados. Apesar do recesso, eles têm trocado figurinhas e há sinais de que a proposta da presidente Dilma pode ser bastante desfigurada. Um deles, o deputado peemedebista Francisco Escórcio (MA), arrisca: "Obrigar os estudantes de medicina a cumprir serviço obrigatório de dois anos no SUS é comprar uma briga ruim na hora errada. E dispensar os estrangeiros de fazer o exame Revalida soa como privilégio".
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