ZERO HORA - 30/07
Em seu pronunciamento de sábado no Teatro Municipal, no Rio, o papa Francisco lançou um desafio direto aos governantes e políticos brasileiros que vêm sendo questionados nas manifestações de rua: reabilitar a política. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, reabilitar é, entre outras definições, "restituir os direitos, a capacidade e a situação perdidos", "fazer recobrar ou recobrar a estima, a consideração pública ou particular", "fazer voltar ou voltar ao convívio social, às atividades normais".
Não resta dúvida de que a atividade política está cercada de pouca estima e consideração, perdeu capacidades e status e é malvista na sociedade. Tampouco essa é uma opinião inovadora. Há séculos, os políticos são vistos por uma parcela mais emocional de cidadãos como parasitas, mentirosos, arrogantes, mesquinhos e egoístas. Em As Viagens de Gulliver (1726), o irlandês Jonathan Swift já escrevia: "Ele tinha a opinião de que qualquer um que pudesse plantar duas sementes de milho ou duas mudas de grama num solo onde apenas uma tivesse crescido antes serviria melhor à humanidade, e faria serviço mais essencial a seu país, do que toda a raça dos políticos reunida". Mais de cem anos depois, o escocês Robert Louis Stevenson sustentava: "Política é talvez a única profissão para a qual nenhuma preparação é julgada necessária".
O Papa sugeriu também a fórmula para que se reabilite a política: ética, diálogo e um Estado laico, livre da influência de religiões. É digno de nota que tenha sido o bispo de Roma, ocupante de posição que no passado foi a de maior poder no mundo civilizado, a fazer tal defesa da não interferência de pontos de vista e interesses confessionais nos assuntos políticos. A separação entre Igreja e Estado é uma das características distintivas da organização política moderna. O fato de o chefe do maior rebanho de fiéis do planeta ter reclamado para a religião um papel político de menor relevância, dando primazia à conduta ética e ao respeito à diversidade de opiniões, deve ser entendido como a mais eloquente defesa da reformulação da esfera pública.
Se considerarmos o jogo de poder e interesses que lançou a política brasileira ao descrédito, talvez seja preciso recomeçar do zero. Mas as instituições democráticas não podem ser confundidas com as pessoas que as deturpam. O Brasil tem eleições no próximo ano, e essa é a grande oportunidade para uma virada de jogo, incluindo o protagonismo dessa massa de jovens e de pessoas que saíram às ruas para protestar nas últimas semanas. O povo brasileiro precisa mostrar que tem maturidade para escolher livremente novos representantes e para avaliar com justiça os atuais ocupantes de cargos públicos. O papa Francisco mostra sintonia com as mentes de milhões de brasileiros, católicos ou não, ao pregar uma reabilitação da atividade pública.
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