ESTADÃO - 30/07
A história de minha vida política sempre oscilou entre dois sentimentos: esperança e desilusão. Cresci ouvindo duas teses: ou o Brasil era o país do futuro ou era uma zorra sem nome, um urubu caindo no abismo. Nessa encruzilhada, eu cresci. Além disso, dentro dessa dúvida, havia outra: UDN ou PTB?
Votei em Jânio, confesso. Eu tinha 18 anos e não me interessei por Lott, aquele general com cara de burro, pescoço duro. Jânio me fascinava com sua figura dramática, era uma caricatura vesga cheia de caspa e dava a impressão de que ele, sim, era de “esquerda”, doidão, “off”.
Meses depois, estava no estribo de um bonde quando ouvi: “Jânio tomou um porre e renunciou!”. Foi minha primeira desilusão. Eleito esmagadoramente, largou o governo como se sai de um botequim.
Ali, no estribo do bonde, eu entendi que havia uma grossa loucura brasileira rolando por baixo da política, mais forte que programas racionais: a maldição do Mesmo. Percebi que existia uma “sub-história” que nos dirigia para além das viradas políticas. Uma anomalia secular que faz as coisas “des-acontecerem”, que criou “um país sob anestesia, mas sem cirurgia”.
Já na UNE, eu participei febrilmente da luta pela posse do vice João Goulart, que a “direita” queria impedir. O Exército do Sul, com Brizola à frente, garantiu a posse de Jango, e botei na cabeça que, com militares “legalistas” e heróis de esquerda, o Brasil ia ascender a seu grande futuro.
Vivi a esperança de um paraíso vermelho que ia tomar o país, numa réplica da rumba socialista de Cuba, a revolução alegre que acabaria com a miséria e instalaria a cultura, a grande arte, a beleza, com o presidente Jango e sua linda mulher fundando a “Roma tropical”, como berrava Darcy Ribeiro em sua utopia.
Não haveria golpes, pois o “exército é de classe média e, portanto, a favor do país” – nos ensinava o PCB. Dá arrepios lembrar a assustadora ingenuidade política da hora.
No dia 31 de marco de 64, estava na UNE. Havia um show com Grande Otelo, celebrando a “vitória do socialismo”. Um amigo me abraçou, gritando: “Vencemos o imperialismo norte-americano; agora, só falta a burguesia nacional!”.
Horas depois, a UNE pegava fogo, e eu pulava pelos fundos sob os tiros das brigadas juvenis de “direita”. Acho que virei adulto naquela manhã, com a UNE em fogo, com os tanques tomando as ruas. Eu acordara de um sonho para um pesadelo. No dia seguinte, diante de mim, materializou-se a “figura” de Castelo Branco, como um ET verde-oliva.
No entanto, os tristes dias militares de Castelo ainda tinham um gosto democrático mínimo, que até serviu para virilizar nossa luta política. Agora, o inimigo tinha rosto e contra ele se organizou uma resistência cultural refinada pelo trauma e que perdeu o esquematismo ingênuo pré-64. As ideias e as artes se engrandeceram na maldição.
Nossa impotência estimulou uma nova esperança. A partir daí, as passeatas foram enchendo as ruas, num movimento democrático que acreditava que os militares cederiam à pressão das multidões. Era ilusão.
Ventava muito em Ipanema, em 1968, enquanto o ministro Gama e Silva lia o texto do Ato Institucional 5 na TV, transformando o país num campo de concentração. Com uma canetada, o Costa e Silva, com sua cara de burro, instado pela louca “lady Macbrega Yolanda”, fechou o país por mais 15 anos.
Vieram os batalhões suicidas das guerrilhas urbanas. Nos anos do milagre brasileiro, os jovens românticos ou foram massacrados à bala ou caíram na esperança da contracultura, enquanto os mais caretas enchiam o rabo de dinheiro nos “milagres” de São Paulo.
O bode durou 15 anos, e a democracia virou uma obsessão. “Quando vier a liberdade, tudo estará bem!”, dizíamos. Só pensávamos na democracia, mas ninguém reparou que ela foi voltando menos pelos comícios e mais pelas duas crises do petróleo que criaram a recessão mundial.
Os milicos e a banca internacional nos devolveram a liberdade na hora de pagar a conta da dívida externa. Os militares queriam se livrar da batata quente da falência do Estado e entregaram-no aos paisanos eufóricos com a vitória de Tancredo. Nova esperança! Aí, veio um micróbio voando, entrou no intestino do Tancredo e mudou nossa história. E começou a grande desilusão. Com a volta da democracia, no período Sarney, tudo piorou. Nossos velhos vícios reapareceram. Apavorado, vi que a democracia só existia de boca, não estava entranhada nas instituições que passaram a ser pilhadas pelos famintos corruptos que tomaram o “pudê” – todos “nobres vítimas da ditadura”. A ditadura virou um OMO, para lavar canalhas. Daí para frente, só desilusão e dor: inflação a 80% ao mês (lembram?), o messianismo de Collor, montado no cavalo louco da República.
Depois, nova esperança com o impeachment; depois, mais esperança com o Plano Real, vitória da razão reformista com FHC, com o Brasil no tetra, céu azul, esperança sem inflação. Nunca acreditei tanto na vida.
Mas, hoje, estou aqui, com medo e tristes pressentimentos.
Dilma poderia ter sido uma ponte entre a teimosia regressista e uma modernização mais liberal; mas se revelou teimosa e arrogante por um lado e fiel “tarefeira” pelo outro, dominada pela gangue que quer “mudar o Estado”. O maior inimigo do Brasil é a aliança entre uma ideologia “de esquerda sindicalista” e a oligarquia “de direita” – como é hoje. Nem UDN nem PTB. Vêm grandes crises por aí, mas continua no horizonte a vitória do partido do Mesmo.
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