O Estado de S.Paulo - 11/06
Já não são mais apenas os "suspeitos" ortodoxos de sempre que agora defendem, para a economia brasileira, a adoção de uma política fiscal mais austera. Economistas não alinhados com as receitas ditas neoliberais, como o ex-ministro Delfim Netto, também passaram a pregar, ainda que por razões diferentes, a reversão da atual tendência expansionista nas contas públicas. A ideia é levar a política fiscal a dividir os esforços de contenção das pressões inflacionárias com a política monetária, na tentativa de reverter os índices de inflação e evitar o agravamento dos déficits externos.
Essa divisão de tarefas se tornou indispensável com a constatação de que o crescimento da economia encontrou, na atual combinação dos fatores de produção, um teto físico. Tal limitação pode ser resumidamente representada pela escassez de oferta de mão de obra, que, aliás, está na base da manutenção de uma baixa taxa de desemprego em ambiente de baixo crescimento. Uma expansão fiscal, nessas circunstâncias, produzirá impactos mais negativos aos investimentos e ao setor externo do que benefícios ao crescimento.
Como disse Delfim, em entrevista ao Estado e descreveu em recente artigo no jornal Valor, "os efeitos produzidos pela ampliação das despesas do governo (PIB constante) serão: 1.º) um aumento da taxa de juros real para cortar o investimento e/ou 2.º) uma valorização do câmbio real para aumentar o déficit em conta corrente". Pode-se acrescentar que, com a perspectiva do início da reversão do regime de afrouxamento monetário nos Estados Unidos, a política fiscal, ao operar em sentido contrário, não só tira potência da política monetária como também ajuda a promover trepidações adicionais nas taxas de câmbio.
O governo, no entanto, parece insensível aos movimentos acima descritos. Na semana passada, por meio da Medida Provisória 618, por exemplo, valeu-se, mais uma vez, da sua já conhecida "contabilidade criativa" para expandir despesas sem produzir impacto visível no superávit primário e na relação entre a dívida líquida pública e o PIB. De acordo com a MP, o Tesouro destinará mais R$ 30 bilhões, metade ao BNDES e outra metade à Valec, estatal do setor ferroviário, sob a forma de empréstimos sem prazo de vencimento.
Além disso, subsídios do Tesouro em financiamentos do BNDES ao setor privado, que entravam como despesas no cálculo das contas fiscais primárias, serão "reduzidos" e, em parte, postergados. Com base numa "renegociação" para menos dos juros cobrados nos contratos de empréstimo do Tesouro ao banco e também pela ampliação dos prazos de cobertura pelo Tesouro, gastos efetivos não aparecerão nas contas do superávit primário e na dívida pública líquida.
A alegação oficial é de que essas manobras, além de legais, são necessárias para acelerar os investimentos e não afetam o controle das contas públicas. É fato que a dívida bruta pública - na qual esses contorcionismos fiscais são contabilizados -, hoje nas vizinhanças de 60% do PIB, vem mantendo relativa estabilidade e não está tão longe da registrada por outras economias emergentes, quando se verifica que, descontada a parcela referente às reservas internacionais, roda pouco acima de 40% do PIB. Também é fato que o déficit fiscal nominal ainda não passa de 3% do PIB, índice globalmente aceito para contas públicas controladas.
Ocorre que, além de produzirem, no quadro atual, impulsos inadequados ao crescimento da economia, as manobras do Tesouro, agora tão habituais, afetam, fortemente, a credibilidade da condução da política fiscal. Pior do que isso, elas são inúteis para esconder a real trajetória das contas públicas. O rebaixamento da perspectiva dos títulos brasileiros de "estável" para "negativa", pela agência de classificação de riscos Standard & Poor's, anunciado na semana passada, é um sinal de alerta para riscos da economia brasileira que não deveria ser desprezado.
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