terça-feira, junho 11, 2013

Indios contemporâneos - XICO GRAZIANO

O ESTADO DE S. PAULO - 11/06

A Constituição bra­sileira deixa cla­ro: pertencem aos índios "as ter­ras que tradicio­nalmente ocu­pam, competindo à União de­marcá-las". Princípio que ne­nhuma pessoa civilizada contes­ta. De onde surgiu, então, esta confusão que anda assustando a sociedade?

É simples explicar: ocorre que certos grupos indígenas es­tão, com o apoio da Fundação Nacional do Índio (Funai), rei­vindicando áreas de terra que, há tempos, deixaram de ocupar. Colonizados pelos produtores rurais, tais espaços agrários aju­daram a edificar a nação brasilei­ra. Em alguns casos, a explora­ção agropecuária ultrapassa 90 anos, com imóveis registrados no cartório de imóveis. Posse le­gítima, zero de terra devoluta.

Situada em Mato Grosso do Sul, assim se configura a Fazen­da Buriti, palco do infeliz confli­to que matou o terena Oziel Ga­briel. Mantida desde 1927 pela família Bacha, suas cercanias fo­ram invadidas para forçar a con­clusão do processo demarcatório, visando a transformá-la em reserva indígena. O tiroteio ocorreu em meio ao cumpri­mento do mandado de reinte­gração de posse, ato judicial con­tra o qual os indígenas resisti­ram com violência. Tragédia anunciada.

Em todo o sudoeste de Mato Grosso do Sul existem, há tem­pos, dezenas de propriedades rurais ameaçadas por essa inusitada categoria de sem-terras com penachos coloridos. O mio­lo da encrenca afeta 3 milhões de hectares, exatamente o mes­mo tamanho da área cultivada no Estado, onde labutam 100 mil famílias rurais. O exagero da "causa indígena" assombra o bom senso.

O acirramento dos ânimos re­sulta da demora do governo fe­deral em resolver a questão. As reservas indígenas já existentes no território sul-mato-grossense somam 613 mil hectares, abri­gando 31 mil remanescentes das tribos originais. Alguns defen­dem ser necessário aumentar es­se domínio. Inexistem, porém, áreas disponíveis, exceto aque­las dedicadas historicamente aos cultivos de soja, milho e algo­dão, ou à pecuária, de excelente nível. Há proprietários que acei­tariam, se indenizados, entre­gar parte das terras, mas o governo sempre afirmou ser impossí­vel pagar. Entregar de graça nin­guém topa.

Enquanto nada se decidia, o caldo da encrenca engrossava e se contamina vai de o logicamente. Os indígenas invasores de ter­ras se articulam com vários mo­vimentos, todos próximos da chamada Via Campesina, uma organização de natureza anticapitalista, que propõe uma espé­cie de regresso às origens comu­nitárias da civilização. Gostam de desafiar autoridades, despre­zam o regime democrático, bancam os salvadores messiânicos da pureza humana. No fundo, é o Movimento dos Trabalhado­res Rurais Sem-terra (MST) que comanda essa jornada, aliado, no caso, ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a ou­tras entidades que dizem repre­sentar os "povos excluídos".

Tal conexão, com ramifica­ções internacionais, destinada a "libertar os oprimidos", se es­praia pelo Brasil, fazendo do "ru­ralista" sua vítima. Em Mato Grosso, entre várias pendengas, existe uma suposta tribo rema­nescente no Pantanal que dese­ja o mundo na região do Piriga- lo. No Rio Grande do Sul, rema­nescentes caingangues querem tomar 22 mil hectares de colo­nos gaúchos próximos de Passo Fundo. No Paraná, invasões se verificam em Guaíra, Terra Ro­xa, Palotina, Mercedes, Santa Helena e Francisco Alves. Os in­vasores, conforme denunciou o senador Álvaro Dias (PSDB) na tribuna do Senado, não falam português, mas, sim, guarani e castelhano. Em Santa Catarina, o drama de milhares de agricul­tores ameaçados de perder suas terras na região de Chapecó e Palhoça foi relatado e documen­tado pelo senador Luiz Henri­que (PMDB).

No Pará, fabricaram-se índios boraris na região de Santa­rém, mirando 80 mil hectares dentro da Gleba Nova Olinda. Na Bahia, afora aqueles malu­cos que invadiram um resort, e depois saíram envergonhados, outras etnias desconhecidas es­ bulham terrenos rurais ocupa­dos há 80 anos em Ilhéus, Borá e Buerarema. Para não falar da história de Paulo Apurinã, o falso índio amazonense, um barrigu­do velhaco que posava de líder junto das autoridades. Ponta do iceberg?

Nenhum desses conflitos en­volve disputa por floresta vir­gem. Todos, pelo contrário, re­caem sobre terras produtivas, sob a alegação de que seriam, no passado, indígenas. No limite, o raciocínio permite englobar também as praias cariocas, a Avenida Paulista, a Esplanada dos Ministérios, recantos alhu­res, pois, afinal, tudo pertencia aos índios até o descobrimento. Como, e a partir de quando, se comprova a "ocupação tradicio­nal" das terras pelos remanes­centes indígenas?

Aqui está o xis da questão. A legislação exige laudos antropo­lógicos, a cargo da Funai. O pro­cedimento, correto em tese, tem-se desvirtuado ao se utili­zar de argumentos suspeitos, pouco científicos, para apontar "vestígios" recentes de ocupa­ção indígena onde era imemo­rial seu sumiço. Referindo-se a uma querela em Mato Preto, no norte gaúcho, o procurador do Estado, Rodinei Candeia, de­nunciou o respectivo laudo an­tropológico como "uma fraude absoluta". Essa desconfiança sobre a veracidade dos laudos an­tropológicos levou o governo Dilma a propor que outros ór­gãos, como a Embrapa e o Incra, também opinassem sobre a ma­téria. Aprova dos nove, necessária, irritou os indigenistas.

Percebe-se que os atuais con­flitos indígenas não decorrem de nenhuma guerra de extermí­nio, ataque à floresta ou prepo­tência ruralista. Nada disso. Os índios contemporâneos não querem, exceto talvez os da Amazônia, caçar com arco e fle­cha. Desejam terras para culti­var, pastorear rebanhos, ganhar dinheiro. Estão certos.

Errado é continuar tratando índios remanescentes como "al­mas puras", inimputáveis peran­te a lei da sociedade humana. Is­so precisa mudar.

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