O governador Eduardo Campos, que se move como pré-candidato no tabuleiro eleitoral, dá sinais de que já escolheu a biruta do discurso de 2014: “é preciso fazer mais”. A presidente Dilma burilou a mensagem com o adendo: “fazer cada vez mais”. Assim, o advérbio de intensidade senta praça, mais uma vez, nos palanques eleitorais, confirmando que na esfera da criatividade expressiva o axioma do pai da Química, Antoine Lavoisier, também se aplica: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Basta verificar o uso (e abuso) do “mais” e seus correlatos na história das campanhas brasileiras, a começar pelo famoso slogan de Juscelino Kubitschek em 1955 -“50 anos em 5” -, a expressar a ideia de que faria bem mais que os mandatários da República em todos os tempos. O termo conecta-se invariavelmente ao território da “fazeção”, maneira de alertar o eleitorado que os fulanos e os sicranos que o adotam serão capazes de cumprir promessas e implantar programas e projetos idealizados. Nada muito diferente do que dizia Quinto Cícero ao irmão, Marco Túlio Cícero, por carta, quando o político e orador se candidatava ao Consulado de Roma, nos idos de 64 a. C: “as pessoas querem não somente ouvir promessas, mas promessas amplas e respeitosas; tudo o que vier a fazer, realce que está fazendo com empenho e otimismo”.
O discurso do “fazer mais” ganhou ênfase nas últimas décadas, na esteira de expansão da sociedade da abundância, marcada pelos fenômenos da despolitização e desideologização e seus efeitos, como o fenecimento das doutrinas, a glorificação do crescimento econômico, a prevalência das leis do mercado, a irrupção dos problemas técnicos. Quem, entre os mais longevos, não se recorda da peroração regada a princípios morais, como a do presidente Kennedy ao tomar posse: “não pergunte o que seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por seu país”? Ou a célebre assertiva de Churchill, em 1940, ao mostrar determinação de lutar com todas as forças contra Hitler: “nada tenho a oferecer, senão sangue, esforço, suor e lágrimas”? Essa era a expressão de um passado pleno de civismo.
Hoje, o discurso superlativo se expande por todos os lados. Nos EUA, se faz presente nos Partidos Democrata e Republicano, cada qual trombeteando avanços em suas propostas e ideários. Dick Morris, que prestou assessoria a candidatos à Casa Branca, mostra a disputa na conjugação do verbo “fazer”, a partir da criação da estratégia que ele designa de “triangulação”. Explica: “se você for um democrata, equilibre o orçamento, reforme a previdência, reduza a criminalidade e veja como os eleitores abandonarão o Partido Republicano; se você for um republicano, melhore a educação, reduza a miséria e veja como suas próprias fileiras vão crescer”. Querem ambos consertar o carro do outro.
Se nas democracias evoluídas, o discurso eleitoral impregna-se de elementos quantitativos, na onda do “fazer mais que o adversário”, imagine-se a importância que adquire em nossos não tão tristes trópicos, onde o caráter da política amalgama traços que apontam para desorganização, improvisação, leniência, acomodação, imprecisão. “Quantas horas você trabalha por semana? Mais ou menos 40 horas. É religioso? Sou ateu, graças a Deus. Ou: sou católico, mas não praticante”. Sob esse traçado sócio-psicológico, qualquer conceito que aponte para a objetividade tende a ganhar credibilidade. A promessa de aumentar a oferta de serviços, sob o empuxo de assertivas, coisa comum no discurso racional anglo-saxão (sim,não), apresenta-se como contraponto à tibieza de nossa cultura (talvez, depende). Quem não se recorda das campanhas de Maluf com o recorrente bordão “Paulo fez, Paulo faz” e seu obreirismo faraônico focado na ideia de que todos os feitos no Estado e na capital tinham o seu dedo? Dessa forma, a exaustiva utilização do advérbio “mais” procura demonstrar a receita de perfis preparados, experientes e em sintonia com as demandas da população.
Deixa também transparecer uma faceta do nosso enviesado discurso político. O mais lógico seria usar o superlativo “melhor”, no entendimento de que a gestão no Brasil é uma colcha de retalhos, uma teia de fios que se desprega facilmente, decorrência das mazelas da administração pública, como desleixo, incúria, descontrole, falta de disciplina e controle. O país seria mais avançado, caso escolas, estabelecimentos hospitalares, modais de transportes, enfim, a ampla estrutura que move os serviços públicos recebesse cuidados necessários para alcançar eficiência. O aparato físico e instrumental de muitos setores, sob tratamento zeloso, atenderia as demandas. Fazer funcionar o que existe é mais lógico que duplicar sistemas e multiplicar o descontrole. Melhor fariam os atores políticos se inserissem na agenda o compromisso com propostas que viessem contribuir para a melhoria dos serviços, sem deixar de lado ações que não captam voto, como planos de prevenção, obras escondidas sob a terra (saneamento básico), códigos de controle etc. Lembre-se, a propósito, que não há no país um plano para administração de catástrofes.
O rosário de promessas com o selo “mais” poderá descambar na perigosa equação da anulação recíproca de propostas. A banalização pelo uso do termo ameaça chegar a um limite em que os contrários (o bom e o ruim) acabarão se fundindo, como se constata na tresloucada peroração do vereador de Ipu, Ceará, Cícero do Carmo Lima, Ciço Rico, semianalfabeto com autoestima de intelectual. Certa feita, em 1960, sob ovações continuadas, o candidato, assustado, enrolou-se na conclusão da fala de palanque. Até que desembuchou: “Ipuenses, para terminar concluo que tudo, tudo é nada; e nada, amigos, nada é tudo”.
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