O GLOBO - 05/05
Com a sofisticação dos instrumentos de exploração sideral as teses e fantasias foram perdendo, aos poucos, seu fascínio. O que os atuais laboratórios teleguiados colocados na superfície de Marte mandam dizer é que o planeta é apenas um imenso deserto. Pode ter tido água e vida no passado, mas – pelo menos pelo que se viu até agora – não tem mais. Entre a projeção romântica feita por Schiaparelli e a evidência das últimas imagens da aridez vermelha, sem um oásis ou uma carrocinha da Kibon à vista, está a história de uma decepção. De certa forma, parecida com a decepção que a realidade do Novo Mundo causou naqueles que, como Rousseau e outros, viram nos selvagens recém-descobertos uma redescoberta da inocência original do homem, num Eden antes da queda. Como no caso de Schiaparelli, uma ilusão desculpável, porque baseada numa visão de muito longe.
Entre outras visões da era dos telescópios primitivos está a dos que liam a palavra “Shajdai”, um dos nomes de Deus em hebraico, escrita na superfície de Marte. Um jornalista da época citado na revista The New Yorker, de onde eu tirei tudo isto, achou improvável que mesmo uma raça superior tivesse traçado canais para formar o nome do Senhor, mas observou: “Existem feitos aqui na Terra que também nos parecem impossíveis”. Isto que ele nem sonhava que um dia haveria um mecanismo terrestre escavando o chão de Marte. Agora, sobre a presença de devotos hebreus no planeta vermelho, ninguém especulou.
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