Valor Econômico - 03/04
Com a nomeação de César Borges, do PR, para o Ministério dos Transportes, a presidente Dilma já pode dar por encerrado o ciclo de mudanças nos comandos do governo a que se propôs neste início de terceiro ano de mandato. Entretanto, ainda é nebulosa a filosofia que presidiu a mexida em que saíram técnicos de reconhecida atuação e entraram políticos de partidos antes varridos na denominada faxina ética do primeiro ano, num fazer e desfazer sem fim da escola de Macondo.
A lógica da composição do gabinete mudou nos governos do PT. Antigamente, trocava-se um ministro por outro cuja simples menção ao nome apontava para uma política pública, uma região ou um Estado aliado do governo, ou para a representação de uma indústria onde dominava um partido e que levasva o partido e a indústria ao posto para reforçar a aliança política de apoio ao governo Agora, qual o critério?
A presidente Dilma acatou o desenho de governo feito pelo ex-presidente Lula, seu antecessor e criador, e formou o primeiro governo muito à imagem e semelhança dele, que tinha representantes pessoais fortes nos postos estratégicos. Esses começaram a cair quando ela resolveu ceder ao clamor moral que as denúncias sucessivas provocavam, e boa parte da tropa lulista foi defenestrada.
No segundo ano, seguiu com alguns técnicos em lugares estratégicos, como a Aviação Civil, que necessitava de gestão para superar apagões aéreos e levar adiante as concessões; a Petrobras, onde também foram identificados desvios para a política partidária; o ministério dos Transportes, sempre um reconhecido balcão de negócios, entre outros postos para onde seguiram representantes mais discretos dos partidos da base. Os políticos aliados, da rede colhida no mensalão ou não, ficaram um bom período sem poder impor caminhos à presidente, com uma estudada discrição.
Este ano, o terceiro do mandato, é de campanha da reeleição na rua, estrategicamente, por enquanto, centrada no Nordeste e nas medidas de caráter geral e popular, orientadas pela técnica de publicidade, para sensibilizar todas as regiões.
Perderam a vez as opções mais técnicas para dar lugar novamente aos políticos de carreira. O presidente do PDT, Carlos Lupi, reassumiu o Ministério do Trabalho com Manoel Dias, um preposto. O PMDB pegou a Secretaria da Aviação Civil, dando o que fazer ao ministro Moreira Franco, que se declarava ocupante de um cargo que não conseguia eleger um vereador, a Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Políticos que a presidente Dilma costuma ouvir afirmam que é agora, no terceiro ano, que ela está certa. Segundo esse raciocínio, o que houve, no começo, foi uma subestimação da política, das alianças, da frente heterogênea formada desde o primeiro ano de Lula.
Depois das demissões, foi o ano de julgamento do mensalão, os políticos ficaram se medindo de cima abaixo. Dilma deixou a política no seu curso, longe dela, e o senador Aécio Neves abdicou do papel que se esperava dele, de líder da oposição. Abriu-se, então, um vácuo para o governador Eduardo Campos, que não se fez de rogado e o preencheu. Os políticos, que faziam peregrinação ao gabinete de Lula, passaram a fazer ao de Eduardo, que ocupou o lugar do governo e da oposição para efeitos de articulação política com os partidos e os governadores. Vinha de uma significativa vitória sobre o PT, na eleição municipal, as atenções todas se voltaram para ele. Para os próprios analistas que gravitam na órbita do Planalto, não foi Eduardo Campos quem foi atrás disso, foi isso que foi ao encontro dele. A política, diz um integrante muito fiel da base aliada, vai atrás de quem oferece a ela uma chance. Bonito de se dizer, alto, algo com um significado tão baixo: o de que foi preciso, para engatar a campanha da reeleição, voltar à relação promíscua com os partidos tal como eles se apresentam.
O que ocorre agora é uma tentativa de retomar, rápido, o espaço ocupado por Eduardo. Aí, volta qualquer um para o governo: o PR para os Transportes (saíram de lá mais de 20 "autoridades" na faxina ética), o PMDB fica com a Aviação Civil, o PT e os evangélicos mantêm seus espaços e a presidente passa a dar ouvidos aos sindicatos, aos movimentos, às redes sociais, a tudo o que pode virar instrumento de campanha. Afirma-se que não haverá diferença para a eficiência da gestão. Com Wagner Bitencourt, egresso do BNDES, a aviação civil não se recuperou do apagão, quem sabe não se recupera agora, dizem os otimistas conselheiros da presidente, com alguém, como Moreira, que já foi governador do Rio e prefeito de Niterói? Sem ironias.
Lupi reassume o controle do Ministério do Trabalho e sua criação de sindicatos e farta distribuição do dinheiro do trabalhador, deixando sem emprego um simbólico representante do brizolismo, o filho. E daí, de novo? Quem sabe o que se quer mesmo além de uma base unida? A gestão, o projeto, não estão em questão. Como diz o político ligado à presidente, não dá para separar a gestão da política, e os políticos, chegando lá, fazem o que for para fazer.
Todos os presidentes trabalharam com a base de apoio que tinham no Congresso. É o que a presidente Dilma está tentando fazer agora, filosofa-se, com dois anos de atraso.
O recuo na política de desoneração de automóveis, depois de haver definido, com aparente segurança, normas permanentes há apenas três meses, é muito mais um salve-se quem puder do que quer fazer crer o Ministério da Fazenda. Na falta de argumento que fundamente as medidas por um prazo maior do que o curtinho trimestre, chega a ser abuso da boa fé dizer que a crítica parte de quem não quer redução de imposto, como fez esta semana uma autoridade daquele gabinete. É muito mais, também, do que contar com a demanda do consumidor já saturado de carro e de dívida. É imprevisibilidade na veia, que resulta em queda do que resta de credibilidade.
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