Valor Econômico - 03/04
Quando declarou que não se combate mais inflação no país com redução do crescimento econômico, a presidente Dilma Rousseff expressou mais que uma convicção: ela fixou limites para o aumento do desemprego, que, em sua gestão, atingiu os valores mais baixos da série histórica. Está claro que se tornou um tabu, em Brasília, tomar medidas que provoquem elevação da taxa de desocupação com a finalidade de combater a carestia.
O Banco Central (BC) está sendo confrontado com esses limites. Na primeira fase de sua atuação nesta gestão (de janeiro a agosto de 2011), recorreu a dois expedientes para controlar a inflação: o aumento da taxa básica de juros (Selic) e a adoção de medidas macroprudenciais.
Em maio de 2011, um dirigente do BC chegou a afirmar, em conversa com o titular desta coluna, que, para reverter o processo inflacionário, seria necessário levar a taxa de desemprego para pelo menos 8% até o fim daquele ano. Naquele mês, o índice ficou em 6,4%. Já a inflação em 12 meses acumulara variação de 6,55%, acima do limite superior do intervalo de tolerância (6,5%).
Em agosto de 2011, o Comitê de Política Monetária (Copom) alegou que o agravamento da crise nas economias centrais teria efeito desinflacionário sobre o Brasil e, por isso, decidiu mudar o rumo da política monetária: em vez de continuar elevando a taxa de juros, o Comitê passou a reduzi-la, levando-a para o menor patamar da história.
Nos meses seguintes, a economia brasileira assistiu a dois fenômenos: a atividade econômica seguiu em processo de desaquecimento e, apesar disso, a taxa de desemprego começou a bater recordes sucessivos de baixa. A inflação, depois de chegar a 7,31% nos 12 meses acumulados até setembro, caiu nos meses seguintes, como previu o BC. Em junho de 2012, recuou para 4,92%, o melhor resultado do governo Dilma.
Uma combinação de desvalorização do real - esta, em grande medida, provocada pelo próprio governo e o BC - com choques de preços agrícolas interrompeu o processo de queda do IPCA, que a partir de julho entrou em rota de aceleração (6,31% nos 12 meses até fevereiro, com risco de superar o teto de 6,5% neste mês).
É do BC a constatação de que a inflação se tornou mais resistente nos últimos meses. E que essa resistência tem relação com o fato de os salários estarem crescido acima da produtividade da economia. Num boxe do Relatório de Inflação (RI) divulgado semana passada, está dito: "A evidência disponível também sugere que o crescimento dos salários em termos reais (...), acima dos ganhos de produtividade, não é um fenômeno observado em alguns segmentos apenas, mas disseminado nos principais setores da economia".
O desemprego vinha caindo desde os últimos anos do governo Lula e chegou a percentuais historicamente baixos na gestão atual. Um fator pode ter sido decisivo para isso: no início do mandato, Dilma aprovou lei instituindo uma espécie de superindexador para o salário mínimo, que passou a ser corrigido com base na variação da inflação do ano anterior, acrescida do Produto Interno Bruto (PIB) real de dois anos antes. Por causa dessa política, o setor de serviços, que já vinha crescendo em ritmo mais forte que os outros, passou a pressionar ainda mais o mercado de trabalho, encarecendo a mão de obra.
No boxe do RI, os técnicos dizem que "os exercícios indicam que a propagação das pressões inflacionárias oriundas do mercado de trabalho depende da postura da política monetária". Em outras palavras, eles indicam que, para impedir que os custos de produção e, consequentemente, os preços de bens e serviços subam em decorrência da escassez de mão de obra, o Copom deveria apertar a política monetária e promover algum desemprego.
É evidente que não é isso que o Palácio do Planalto deseja que o BC faça. É por essa razão que o governo tem lançado mão de diversos expedientes para segurar os preços. O corte das tarifas de energia e as desonerações de impostos diminuem, de fato, a pressão inflacionária no curto prazo, mas não alteram a inflação tendencial. Esta continuará pressionada por problemas do lado da oferta da economia.
Há uma visão dentro do BC benigna em relação ao mercado de trabalho, o que indica que não há consenso, na instituição, quanto à necessidade de um forte aperto monetário neste momento para mudar a trajetória da inflação. Por essa visão, na margem os salários já não estão crescendo tão acima da inflação como nos anos recentes, o que diminuirá adiante as pressões inflacionárias.
Haveria ainda três razões para um certo otimismo. A primeira é a tese de que o mercado de trabalho não está tão apertado quanto parece. Ao estudar o assunto, o BC teria constatado que a participação dos jovens entre 18 e 24 anos no mercado de trabalho diminuiu nos últimos dez anos. Esses jovens estariam estudando mais. As famílias, por causa do aumento de renda ocorrido no período, estariam conseguindo manter seus filhos por mais tempo dedicados à formação profissional.
A segunda razão está relacionada ao fato de o setor de serviços ter aumentado seu peso na economia. Esse setor paga salários mais baixos e emprega mais trabalhadores, embora tenha uma produtividade menor.
O terceiro aspecto seria a retenção de trabalhadores por parte das empresas, mesmo em meio ao baixo PIB. Como a economia pode se recuperar e o mercado de trabalho está aquecido, as empresas teriam optado por usar o fator trabalho com menor intensidade (por meio da redução do número de horas trabalhadas), em vez demitir pessoal e incorrer em custos mais altos de recontratação no futuro. Isso provocou a diminuição da produtividade nos últimos dois anos.
"Você tem aí algumas folgas, em que dá para crescer de forma menos inflacionária, usando mais intensamente o fator trabalho. Na recuperação, a produtividade também é cíclica, portanto, ela vai aumentar. A partir do momento em que o trabalhador trabalha mais horas, ele produz mais produtos. Então, os indicadores de produtividade melhoram com a recuperação da economia", disse uma fonte.
Há também a aposta de que um pedaço de utilização da capacidade na indústria pode ser preenchido de forma não inflacionária.
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