O ESTADÃO - 03/04
As recentes declarações da presidente da República sobre a correlação entre inflação e crescimento - que foram imediatamente interpretadas pelo mercado como riscos à autonomia do Banco Central para aplicar suas políticas de combate à inflação - são exemplos dos efeitos que o risco de interferência política e eleitoral impõe à realidade econômica. Desta vez o palco foi a macroeconomia, mas o setor elétrico tem sido submetido a uma saraivada de ingerências da mesma natureza emanadas do mesmo governo e seus aliados.
Em artigo que publiquei neste Estadão no dia 10 de março, tratei de alguns efeitos ligados à implementação truculenta da Medida Provisória n.º 579/2012 (depois convertida na Lei n.º 12.783/2013 e que tratou da antecipação da renovação de concessões de eletricidade), entre os quais chamou a atenção a Resolução n.º 3 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Aliás, o CNPE é um órgão que deveria se ocupar de diretrizes de longo prazo, e não deveria ter atropelado a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e seus ritos regulatórios.
A resolução acima representa uma ameaça de expropriação do caixa das geradoras de energia ao impor que elas passem a arcar com parte do custo do acionamento de todo o parque termoelétrico nacional, custo que será medido em bilhões em 2013.
Por que a resolução foi emitida de forma tão abrupta, sem audiência pública? Porque o governo se viu diante de cenário aterrorizante para seus objetivos eleitoreiros: a queda propagada de 20% da conta de luz seria comprometida pelo altíssimo custo conjuntural do uso termoelétrico que deveria ser repassado aos consumidores. Afinal, são os consumidores que se beneficiam desse acionamento termoelétrico.
Para agravar ainda mais a situação, o mercado foi surpreendido com a suspensão da liquidação das transações do mercado de curto prazo de energia elétrica referentes a janeiro de 2013 e que deveria ter sido implementada pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) em 12 de março. Uma das causas para essa suspensão era a possibilidade de alterar retroativamente a alocação anual da energia (sazonalização) feita pelos geradores. A alteração retroativa da sazonalização, felizmente, acaba de ser bloqueada pela Aneel, após audiência pública, com base, inclusive, nas contribuições da CCEE e de técnicos da própria Aneel.
No meio de tanto desrespeito a regras e de tamanha confusão institucional, é preciso registrar que ainda há instituições e profissionais sérios. Em primeiro lugar, a CCEE reafirmou sua missão técnica e consolidou sua posição de destaque como uma das poucas instituições que se blindam de usos políticos há mais de uma década.
E em segundo, mas em não menos importante lugar, alguns técnicos da Aneel e parte de sua diretoria também merecem crédito por terem emitido um sinal de que o passado ainda é previsível. Na palavra dos próprios técnicos, a suspensão da liquidação traria "consequências comerciais e financeiras severas, de resultados imprevisíveis" e "efeitos extremamente perversos aos agentes e à credibilidade do sistema". E em relação à manutenção da sazonalização, merece registro o fato de que três diretores da agência reguladora contrariaram o relator e apontaram que essa revisão retroativa geraria riscos de criação de um ambiente de insegurança e de instabilidade regulatória.
Uso eleitoral da tarifa, expropriação de caixa de agentes, interferências regulatórias retroativas... São muitas as pressões sobre reguladores e outras instituições do setor elétrico que emergem de interesses políticos e econômicos de curto prazo, sem o menor compromisso com a manutenção de um setor elétrico sustentável.
Portanto, ficam aqui os votos para que esses atores, a exemplo deste último episódio, resistam a tais pressões e nos deem razões para crer que ainda há luz no fim do túnel. O setor elétrico precisa sair dessa fase de trevas que o mundo político lhe vem impondo.
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