FOLHA DE SP - 03/04
O cenário inflacionário piorou, mas o BC ainda não foi capaz de decidir se vai fazer algo a respeito
Na semana passada, o Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação e, com ele, suas previsões para a inflação até o primeiro trimestre de 2015.
Como os 18 leitores já suspeitavam, o BC teve que rever significativamente para cima suas projeções, de valores pouco acima da meta em 2013 e 2014 para algo ao redor de 5,5% até março de 2015. Ainda são previsões otimistas, mas mostram, ao menos parcialmente, a extensão do problema.
Em meados do ano passado, quando os primeiros sinais de aceleração da inflação começaram a surgir, a equipe econômica, BC inclusive, culpava um mal definido "choque de oferta" relacionado à seca no EUA (que, maldosamente, só afetou o Brasil, poupando nossos vizinhos mais bem-comportados).
Seria, portanto, um fenômeno de curta duração, pois os preços cairiam assim que a oferta internacional se normalizasse, dissipando os efeitos inflacionários.
O próprio relatório demole esse argumento, já que previsão de inflação esperada acima da meta por período tão longo revela não mais se tratar de problema temporário e localizado.
Ao contrário, é coerente com um padrão observado há algum tempo nos índices de inflação: a proporção de itens que registram aumentos de preços no IPCA (o chamado índice de difusão) tem batido seguidos recordes, atingindo os valores mais elevados dos últimos dez anos, indicando propagação das pressões inflacionárias.
Não é por acaso, então, que até o BC, depois de negar o quanto pôde a gravidade do problema, começou, com atraso, a mudar de atitude.
Seja por meio dos discursos de seus dirigentes, seja em sua comunicação oficial, o banco passou a dar ênfase precisamente à persistência da inflação, assim como a seu caráter disseminado.
Ao mesmo tempo, removeu as referências à estabilidade da taxa de juros "por um período de tempo suficientemente prolongado" e, finalmente, ao reconhecer a piora nas perspectivas de inflação para os próximos 24 meses, preparou o terreno para iniciar a elevação da taxa de juros.
Ou não.
Depois de elencar os argumentos que justificariam um endurecimento da política monetária, inclusive reconhecendo a possibilidade de "uma eventual acomodação da inflação em patamar mais elevado", o BC evita a conclusão lógica e "pondera que incertezas remanescentes (...) cercam o cenário prospectivo e recomendam que a política monetária deva ser conduzida com cautela".
Em outras palavras, o cenário inflacionário piorou consideravelmente, mas o BC ainda não foi capaz de decidir se vai fazer algo a respeito.
Não estivesse essa expressão presente já na ata do Copom, divulgada duas semanas antes de a presidente se manifestar contrária à elevação da taxa de juros, caberia até perguntar se a hesitação resulta de restrições de ordem política.
Aparentemente, porém, o BC hesita sozinho.
Isto dito, embora o Copom mostre autonomia de hesitação, a atitude da presidente em nada colabora.
Caso o BC conclua pela manutenção do nível atual da Selic nos próximos meses, será difícil para observadores externos distinguir entre duas possibilidades: uma decisão autêntica (apesar de, a meu ver, errônea) ou uma intervenção direta do mundo político num corpo que deveria ser predominantemente técnico eliminando qualquer ilusão remanescente sobre a autonomia decisória do BC.
Talvez esteja aqui a dificuldade maior de entendimento da presidente. Ninguém interpretou sua fala (contra "políticas de combate à inflação que olhem [sic] a redução do crescimento econômico") como sinal de descaso com a inflação (ainda que seja exatamente essa a conclusão inescapável do seu discurso), mas, sim, como um obstáculo à ação do BC, a quem foi dada a tarefa de proteger a estabilidade do poder de compra da moeda.
Pior do que a presidente não entender a dinâmica da inflação é sua desconsideração pelo arranjo institucional para lidar com o problema. Ainda iremos lamentar bastante as consequências.
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