FOLHA DE SP - 03/04
Brasil precisa obter reconhecimento como ator "nuclearmente responsável"
Na próxima semana, Antonio Patriota vai a Washington para discursar sobre o futuro da política nuclear mundial em uma grande conferência sobre o tema.
A princípio, não deveria haver grande mistério nisso.
Afinal, os objetivos da diplomacia nuclear brasileira são claros: proteger a incipiente indústria nacional de enriquecimento de urânio; mitigar a desconfiança dos vizinhos a respeito do projeto do submarino nuclear; negociar salvaguardas para o submarino se e quando ficar pronto; e eliminar as travas legais que emperram a retomada do programa espacial.
Também cabe à diplomacia nuclear a árdua tarefa de obter reconhecimento internacional do Brasil como ator "nuclearmente responsável". Trata-se de um rótulo que não se ganha pelo mero cumprimento de critérios técnicos, mas tem de ser obtido e mantido em um ambiente altamente politizado e incerto.
E cabe à diplomacia nuclear oferecer uma visão brasileira, concreta e prática, do que seria um ordenamento nuclear minimamente justo e estável. A primeira vez que se tentou algo assim em escala global foi com a Declaração de Teerã, em 2010. Não deveria ser a última.
No entanto, a palavra do chanceler será importante porque, em anos recentes, o programa nuclear brasileiro não tem sido muito bom de relações públicas. Agora, com as atividades nucleares do país em fase de expansão, acertar o tom é tarefa urgente.
Em 2004, por exemplo, Brasília tinha bons motivos quando sugeriu a Buenos Aires uma reavaliação do sistema bilateral de controles nucleares mútuos: a forma em que foi feita a sugestão, contudo, assustou e afastou o vizinho, com repercussões negativas até hoje.
Quando o Brasil limitou o acesso de inspetores estrangeiros às centrífugas de fabricação nacional, em vez de explorar as alternativas propostas pelos nossos próprios cientistas qualificados, politizou-se o tema, levando muita gente boa, mundo afora, a pensar que o país tem muita coisa a esconder. Não tem.
Quando o ex-vice-presidente José Alencar disse que países detentores de bomba atômica têm mais autoridade do que países desarmados, falava uma simples verdade.
Saída de sua boca, contudo, a mensagem levantou suspeitas desnecessárias. Efeito idêntico ocorre cada vez que alguém em Brasília diz, publicamente, ter sido um erro assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear.
Ou quando se busca justificar a construção do submarino nuclear não apenas para capacitação industrial e tecnológica, mas também como instrumento para negar o uso do mar a eventuais inimigos. De Santiago do Chile a Paris, de Nova Déli a Moscou, almirantes que entendem estratégia naval arqueiam as sobrancelhas com perplexidade. Ou preocupação.
Fatos assim obstaculizam o objetivo fundamental, qual seja o de tocar o processo brasileiro de conhecimentos e negócios na área nuclear de forma aberta e transparente, sem gerar tensão à toa.
Falando na capital dos Estados Unidos, algumas palavras do chanceler brasileiro podem fazer um baita bem.
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