Valor Econômico - 06/03
Uma das maiores conquistas do Brasil nos últimos anos foi enfrentar uma grave crise internacional sem ter que elevar a taxa de juros. Foi assim em 2008. A crise veio, provocou uma parada súbita da atividade econômica no último trimestre daquele ano e o Banco Central (BC), depois de normalizar a liquidez nos mercados monetário e cambial, derrubou a taxa Selic ao menor patamar da história até então.
O padrão até aquela crise, desde o advento do Plano Real, em 1994, era outro. Turbulências de origem interna ou externa provocavam crises no balanço de pagamentos, seguidas de desvalorização acentuada da moeda nacional e aumento da inflação. Geralmente, a economia entrava em recessão. Para recobrar a confiança dos investidores e enfrentar o problema inflacionário, o BC aplicava um choque de juros, mesmo com a economia operando no vermelho.
A última vez que o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou juros para enfrentar um problema de balanço de pagamentos (e recuperar a confiança perdida) foi em 2003, primeiro ano do governo Lula. Os ciclos de aperto monetário dali em diante (em 2004/2005, 2008 e 2010/2011) foram promovidos para conter a demanda doméstica e, portanto, a inflação.
Pela 1ª vez, desde 2003, alta do juro virá com PIB baixo
Neste momento, o Brasil não está em crise, embora o Produto Interno Bruto (PIB) esteja rodando abaixo do potencial há dois anos, a caminho, possivelmente, do terceiro ano consecutivo nessa situação. Apesar disso, tudo indica que o Comitê de Política Monetária (Copom) se prepara para elevar a taxa básica de juros (Selic), repetindo o padrão de reação de um passado que todos imaginavam superado.
Em 2003, quando o BC recorreu a um choque de juros para pôr ordem na casa, a absorção doméstica, isto é, o consumo privado e do governo, além do investimento como proporção do PIB, teve variação negativa. Naquele ano, o PIB avançou apenas 1,15%. Ainda assim, a inflação em 12 meses chegou a superar 17%.
Nos ciclos seguintes de aperto monetário, a taxa de juros foi aumentada para conter a expansão da absorção doméstica, que em 2004 cresceu mais de 4% para um PIB que se expandiu a 5,71%; em 2008 avançou mais de 6% para um PIB de 5,17%; e em 2010 subiu quase 9% para um PIB de 7,5%. O juro subiu para controlar a inflação.
A situação agora é inteiramente distinta. No último trimestre de 2012, a demanda doméstica, já descontados os efeitos sazonais, cresceu 1,2% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. Já o PIB acumulou alta de apenas 0,6%, na mesma comparação. É nesse ambiente, ou talvez num ambiente um pouco menos trágico do que esse (o do segundo trimestre deste ano), que o Copom iniciará um novo ciclo de alta dos juros.
A economia brasileira parece presa ao binômio crescimento baixo-inflação alta. Há uma chance considerável de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses até março superar o teto (6,5%) do regime de metas. E é difícil encontrar quem acredite numa expansão do PIB acima de 3% em 2013. Diante disso, o aumento da Selic soa despropositado.
Por que, então, iniciar um ciclo de aperto monetário? Aparentemente porque o BC precisa voltar a coordenar expectativas dos agentes econômicos, que, desde a segunda metade de 2010, estão desancoradas. Se não fizer isso logo, corre o risco de ver a inflação se tornar cada vez mais resistente. Uma boa indicação do que está ocorrendo pode ser vista na distribuição de frequência das expectativas de mercado para o IPCA e a Selic, divulgada pelo Boletim Focus.
Os dados mostram que, na última amostra do Focus, realizada em 1º de março, a maioria dos analistas ouvidos - um pouco menos de 55% do total - acredita que 2013 terminará com inflação de 5,8%, a mesma do ano passado. Em 31 de dezembro, menos de 40% dos participantes da pesquisa achavam isso. Houve, portanto, deterioração das expectativas e ancoragem das estimativas do IPCA num patamar bem superior ao da meta de 4,5%.
Quando se observa a expectativa da taxa Selic 12 meses à frente, o que se vê é o oposto - as expectativas estão desancoradas. Até 31 de dezembro, mais de 60% dos analistas do Focus acreditavam que a Selic chegaria no período mencionado a 7,5% ao ano, embutindo, dessa forma, uma alta de apenas 0,25% em relação ao nível atual. Agora, os analistas estão divididos: cerca de 30% seguem achando que a Selic ficará nesse patamar, mas um pouco menos de 30% acredita que o juro estará entre 8,5% e 9% ao ano daqui a 12 meses.
"O maior equívoco do governo foi desacreditar as expectativas de inflação", diz Mário Torós, ex-diretor do BC, hoje sócio da gestora Ibiúna Investimentos, responsável pela gestão de mais de R$ 2,5 bilhões em fundos multimercados e de ações. De fato, desde o início do atual governo, a estratégia do BC para enfrentar a inflação mudou várias vezes, diminuindo a previsibilidade da política. A rigor, a autoridade monetária só conseguiu coordenar expectativas, isto é, convencer os agentes de que o IPCA caminhava para algo próximo da meta de 4,5%, em julho de 2012.
"O quadro atual merece uma reflexão mais aprofundada. Está se consolidando um cenário em que o BC prepara o início de um ciclo de alta dos juros com o hiato do produto [diferença entre produto potencial e produto efetivo] ainda aberto. A economia está, claramente, crescendo abaixo do PIB potencial", argumenta Torós. "[Aumentar o juro] é um passo atrás."
Evidentemente, a percepção dos agentes (as expectativas) não foi afetada apenas pela ação do Banco Central, mas por uma série de medidas que o governo vem adotando para, a todo custo, estimular o crescimento da economia. A lista é grande e inclui, entre outras iniciativas, o aumento das alíquotas de importação de mais de uma centena de produtos, como o aço, cujos preços já aumentaram duas vezes apenas neste ano; o fim da política fiscal contracionista; e a forte desvalorização do câmbio entre 2011 e 2012 (política, registre-se, parcialmente revertida desde dezembro).
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