ZERO HORA - 06/03
Já se passarem alguns dias desde a prisão de uma médica, em Curitiba, que, segundo relatos inicialmente publicados na mídia, teria praticado eutanásia. Foi dito que a referida médica efetuava a interrupção de tratamento de seus pacientes, o que gerou diversas manifestações a respeito de um tema delicado pela sua humanidade: o fim de vida. Ao mesmo tempo em que nos alegramos com o início de uma vida e lutamos pela preservação de sua dignidade no decorrer de sua existência, o seu fim também deve ser digno. Há não muito tempo, neste mesmo espaço (ZH 12/09/2012), falou-se sobre a Resolução nº 1.995/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM) acerca das "diretivas antecipadas de vontade", que consistem na manifestação do paciente em deixar, por escrito, como gostaria (ou não) de ser tratado no caso de se encontrar incapaz de indicar sua vontade de forma livre e autônoma. Aqui, torna-se importante trazer alguns esclarecimentos.
O primeiro deles consiste em não confundir "eutanásia" e "diretivas antecipadas de vontade" (também popularmente e não adequadamente publicizadas como "testamento vital"). Essa observação é importante porque temos duas situações diferentes. Apenas para elucidar alguns dos vários pontos que envolvem o tema, importante dizer que eutanásia não é, simplesmente, interrupção de tratamento, mas indução, com intenção, a óbito, com a autorização consciente da pessoa que passa por determinado tipo de sofrimento, não necessariamente em estado terminal. No Brasil, esta prática não é permitida. De forma oposta, as diretivas antecipadas de vontade não induzem à morte: elas (e aqui podemos falar) interrompem tratamento que, sempre de acordo com a ética médica e proteção do paciente, venha a se tornar fútil e, assim, afete a sua dignidade no seu fim de vida.
O segundo esclarecimento advém do fato de que algumas notícias podem levar a uma confusão entre esses dois temas. Uma delas, por exemplo, traz, em seu título, que "Polícia prende médica em operação que investiga prática de eutanásia no Paraná". Durante o texto, há um destaque para a seção "Leia também: Paciente pode registrar quais procedimentos médicos quer no fim de vida". Ainda que a matéria não tenha abordado especificamente este último tema no texto principal, o leitor pode ser levado a pensar que eutanásia e diretivas antecipadas de vontade sejam instrumentos iguais. Não são. Por isso, torna-se fundamental termos presente essas diferenciações para que a conquista da livre manifestação de nossa vontade quanto ao fim de vida (em seu delineado quadro) trabalhada na Resolução do CFM não seja ofuscada e desqualificada pelo sério e delicado episódio que temos acompanhado pela imprensa, e que, ainda, não se revela como eutanásia, pela ausência de consentimento (segundo o que as investigações indicam até o presente momento) dos próprios pacientes.
* Professora universitária, doutora em Direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário