Ao dizer que, em época de eleição, pode-se “fazer o diabo”, Dilma dá mostras do ânimo que guia seu partido quando se trata de conseguir ou manter o poder
Num momento de surpreendente honestidade, a presidente Dilma Rousseff deixou claros os métodos do seu partido em discurso feito anteontem, em João Pessoa (PB), durante a entrega de um conjunto do Minha Casa, Minha Vida. “Nós podemos disputar eleição, nós podemos brigar na eleição, nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição”, afirmou, antes de fazer a ressalva de que “quando a gente está no exercício do mandato, nós temos de nos respeitar, porque fomos eleitos pelo voto direto do povo brasileiro”.
Que não há partido santo em época de eleições, todos sabem. Mas é fato que o Partido dos Trabalhadores levou o “fazer o diabo” a um novo nível de baixeza. Ficou célebre, por exemplo, o escândalo do “dossiê dos aloprados”, de 2006, que tinha como alvo José Serra, então candidato ao governo do estado de São Paulo, acusando-o de envolvimento com a máfia dos sanguessugas. Ou, em 2010, a quebra de sigilo bancário de Verônica, filha de Serra – então candidato à Presidência da República – e de outros quatro políticos tucanos. Sem falar do terrorismo eleitoral segundo o qual todo adversário, se eleito, vai eliminar o Bolsa Família – verdade seja dita, terrorismo do qual o PT foi vítima em 1989, quando Fernando Collor (hoje aliado de Dilma) acusava o PT de querer confiscar o dinheiro depositado em cadernetas de poupança.
“Fazer o diabo” também inclui lavar e sujar reputações de acordo com a conveniência do partido. Só isso explica os elogios recentes de Marilena Chauí, uma das intelectuais do PT, a Paulo Maluf, classificado como “grande administrador”. Afinal, o antigo desafeto é hoje aliado do petismo – mesma situação dos ex-presidentes Fernando Collor e José Sarney, aquele que Lula quis blindar no escândalo dos atos secretos do Senado afirmando que Sarney “tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum”. São inúmeros os episódios em que o PT “fez o diabo”, fiel à lógica do vale-tudo em que os fins justificam os meios, noção levada às últimas consequências no mensalão.
Mas o PT não “faz o diabo” o tempo todo, afirma Dilma – só “quando é a hora da eleição”. Ocorre que, no Brasil, a eleição já começou. “Em 2013 o bicho vai pegar”, prometeu ainda no ano passado o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. E o partido já faz valer a previsão de Carvalho, ao dirigir suas baterias contra a imprensa livre. Na sexta-feira, o Diretório Nacional do PT divulgou uma resolução que exorta os militantes a colher assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que estabeleça um novo marco regulatório das comunicações.
O texto desse projeto de lei ainda não está pronto, mas, segundo o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), ele será escrito “com base nas diretrizes aprovadas na 1.ª Conferência Nacional da Comunicação, realizada em 2009”. Algumas dessas diretrizes estabelecem desde assuntos “obrigatórios” nas pautas jornalísticas até a maneira como certas realidades devem ser tratadas pelos veículos de comunicação. Mais preocupantes, no entanto, são as propostas de “submeter o rádio e a televisão abertos (...) à regulação e fiscalização por parte de agência reguladora (...) no que se refere ao conteúdo divulgado”, ou ainda criar uma “comissão sobre violações de direitos humanos nas comunicações, com a função de (...) encaminhar sugestões de reparação ou punição” – item que soaria inofensivo se não fosse o peculiar entendimento que o PT tem sobre o que sejam “direitos humanos”, enunciado na versão mais recente do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) do governo.
As diretrizes aprovadas na Confecom de 2009 são uma versão atenuada do ideário do FNDC, que inclui a “inclusão, na estrutura das empresas de rádio e tevê, de mecanismos que estimulem e permitam o controle público sobre a programação” e pede que o “Marco Regulatório leve efetivamente à regulação da mídia, e contenha também mecanismos de controle, pela sociedade, do seu conteúdo e da extrapolação de audiência”. É neste clima de hostilidade contra o jornalismo livre que o PT se move; vão se acumulando episódios como o narrado pelo jornalista Merval Pereira, de O Globo, no dia 3, quando ele quase foi agredido por manifestantes de esquerda após ser reconhecido por um deles durante um evento. Tudo sob o olhar de aprovação de Rui Falcão, presidente do PT e um dos maiores críticos de qualquer imprensa que não seja subserviente ao partido.
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