O GLOBO - 11/03
Se a resolução petista recupera uma antiga bandeira, que proclamava em alto e bom som ser ‘contra tudo o que está aí’, ela se volta contra o governo petista. O que está aí é resultado de seus 10 anos de exercício de poder
Eis uma pergunta inadiável, haja vista a Resolução do Diretório Nacional do partido, pregando o que entende por “controle social da mídia” ou “democratização dos meios de comunicação”. Trocando em miúdos, isto significa o controle da imprensa e dos meios de comunicação, a volta da censura.
Não se trata, evidentemente, de negar a necessidade de uma modernização do marco regulatório nacional, pois a nossa legislação, em vários aspectos, é anterior à introdução da internet. O mundo digital, novas tecnologias, novas exigências empresariais e novas formas de regulamentação estatal fazem normalmente parte desse processo de mudança.
Discussões constituem momentos essenciais de um novo marco regulatório, suscitando questões como financiamento de novos investimentos, parcerias público-privadas, introdução de fibras óticas, faixa 4G e assim por diante. Estamos diante do que, em artigos anteriores, chamei de uma regulamentação formal, que nada tem a ver com qualquer tipo de regulamentação do conteúdo jornalístico.
Ora, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, tem conduzido esse processo de maneira exemplar, com isenção e competência, procurando, inclusive, oferecer para os próximos anos, para todos os brasileiros, uma internet veloz e barata. Se tivéssemos que utilizar um vocabulário petista, diríamos uma “inclusão digital”.
Logo, é mais do que surpreendente o fato de a Resolução do partido visar a confrontar a presidente Dilma e o seu ministro das Comunicações. Aliás, a presidente tem se caracterizado pela defesa da liberdade de imprensa, contra qualquer forma de censura, e não há por que duvidar de suas intenções. Essas se traduzem por fatos.
Por exemplo, em seu mandato não houve nenhuma “Conferência Nacional das Comunicações”, nenhuma proposta como a Ancinave, nem tentativas de recuperá-las, todas voltadas para o controle da imprensa e dos meios de comunicação. Essas iniciativas e outras eram respaldadas pelos ditos movimentos sociais, que defendem as velhas tendências autoritárias da esquerda, procurando um controle total da informação.
Nesse sentido, o PT foi de uma irresponsabilidade absoluta ao colocar-se contra o seu próprio governo, em uma espécie de oposição a si mesmo. Caberia a pergunta: o PT é ou não governo?
O PMDB deu-se rapidamente conta dessa contradição e se posicionou abertamente contra qualquer tipo de controle dos meios de comunicação, horando a sua própria história. Assumiu o governo do qual faz parte. Defendeu com firmeza um dos pilares de uma sociedade livre e democrática. Mais uma vez, o partido, sob a liderança do vice-presidente Michel Temer, exerceu um papel moderador e institucional.
O discurso contra os “oligopólios”, as “grandes famílias” e a “concentração da mídia”, enquanto formas de exercício do poder que enfraqueceriam a democracia e prejudicariam a participação dos cidadãos, não resiste a uma mínima análise histórica. Se isso fosse verdade, o PT jamais teria conquistado o poder e nele permanecido há mais de 10 anos.
Foram precisamente esses jornais, revistas e grupos midiáticos que possibilitaram que o pluralismo existente se traduzisse pela eleição a presidente da República de um sindicalista. Aliás, um fundador de partido que se dizia “contra tudo que está aí”. As liberdades da sociedade brasileira se caracterizam pela pluralidade de pontos de vista, de opiniões, que viabilizam que um cidadão qualquer eleja um determinado partido ou candidato.
Basta a leitura de um jornal, de uma revista ou ver um noticiário televisivo, em um mesmo veículo, ou em vários, para constatar a sua diversidade. Um editorial, muitas vezes, é um, a opinião de articulistas e colunistas é outra, as matérias jornalísticas outras ainda. A uniformidade jornalística só se constata nos jornais cubanos, tão prezados por aqueles mesmos que procuram implantar a “democratização dos meios de comunicação”.
Se a Resolução petista recupera uma antiga bandeira, que proclamava em alto e bom som ser “contra tudo o que está aí”, ela se volta contra o governo petista. O que está aí é resultado de seus 10 anos de exercício de poder.
Não se trata, isso é evidente, de negar os ganhos sociais dos últimos anos, que são uma conquista da sociedade brasileira como um todo. Trata-se, apenas, de colocar esses ganhos em perspectiva, pois, tendo sido realizados por um governo petista, eles não são, do ponto de vista conceitual, um produto da esquerda, salvo se a entendermos no sentido amplo da social-democracia europeia e do trabalhismo inglês. Ademais, esse tipo de conquista social começou com um governo conservador na Grã-Bretanha e corresponde às políticas públicas da democracia cristã na Itália e na Alemanha.
Conquistas sociais duradouras são aquelas realizadas em sociedades democráticas e livres, um patrimônio da nação, para além das oposições partidárias entre “esquerda” e “direita”. Em todo caso, são totalmente afinadas com a liberdade de imprensa e a ela não se contrapõem. Só uma esquerda atrasada, de tipo “bolivariano”, avatar do comunismo do século XX, parte de uma (falta de) perspectiva diferente. Em nome de sua concepção do “social” são liberticidas.
Ocorre que a Resolução do PT, para além de sua irresponsabilidade em relação ao seu governo, deixa transparecer um ranço ideológico próprio do “socialismo do século XXI”. Para eles, enquanto a sociedade não for totalmente controlada, a “democratização” não está realizada. Se falam de democracia, é com o intuito de subvertê-la de uma forma que possa parecer palatável a uma opinião pública incauta.
O que o partido necessita é superar suas velhas bandeiras, converter-se plenamente às liberdades e às instituições republicanas, abandonando a esquizofrenia que ainda o caracteriza. No que diz respeito à liberdade de imprensa e dos meios de comunicação em geral, necessita assumir o seu próprio governo e não contrapô-lo.
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