Pedro era a pedra sobre a qual se ergueria sua igreja, disse Jesus, no primeiro trocadilho registrado pela História, segundo o Millôr. Mas foi Paulo quem a construiu. O apóstolo propagador levou o Cristianismo a todos os cantos do mundo conhecido e, na sua pregação, definiu o que havia de diferente na nova religião. Opondo-se a Pedro e aos cristãos primitivos de Jerusalém, Paulo marcou a distância entre a nova crença e suas raízes judaicas.
E para marcar sua distância da filosofia grega dominante proclamou o Cristianismo livre do racionalismo e do empirismo. Sapientiam sapientum perdam destruirei a sabedoria dos sábios disse Paulo, referindo-se a todas as formas de pensamento que a religião chegava para deslocar.
Na sua primeira epístola aos Coríntios, Paulo escreveu, pelo menos na minha edição da Bíblia, que a “loucura” de Deus era mais sábia do que a sabedoria de todos os sábios, “loucura” significando o descompromisso da fé com a lógica. Nascia aí a discórdia entre a Igreja e a Ciência que atravessaria os séculos.
Se Pedro foi o pai da Igreja como entidade mística, Paulo foi o pai da Igreja como entidade política e prática, e desde então as duas tradições competem ou se completam na luta contra o secularismo e a razão científica. É a força mística, a “loucura”, da Igreja que a mantém viva até hoje, é a força política que ela mobiliza nas suas batalhas históricas para manter-se relevante. Suas lutas contra heréticos como Galileu eram menos para defender conceitos consagrados como o Universo geocêntrico e mais para preservar poder político ameaçado, o que equivale a dizer que em muitos casos o obscurantismo da Igreja era pragmatismo mal pensado.
A Inquisição não aconteceu como terror contra agentes do Diabo e descrentes da Fé verdadeira, foi uma prolongada encenação de poder, um mise-en-scéne político com turnê internacional. A origem do terror não foi, portanto, a Igreja do simples e místico Pedro mas a do intelectual e craque em marquetchim Paulo
O admirável é que a força mística da Igreja de Pedro tenha sobrevivido a todas as derrotas políticas da Igreja de Paulo. Agora mesmo se discute a relevância de uma Igreja que se posiciona contra o uso de preservativos que podem evitar doenças e morte e contra experiências genéticas que podem salvar vidas - em nome de uma sacralização da vida. Dá quase para dizer que a “loucura” de Deus, fora do contexto em que Paulo a usou como sabedoria superior à razão e à lógica, é loucura mesmo.
Alguns dos novos pecados capitais publicados pelo Vaticano são surpreendentes. Agora é pecado ficar rico demais. O Vaticano só não especificou quanto é demais, talvez incerto sobre a sua própria riqueza. E perderam a oportunidade de transformar em pecado mortal, passível de uma eternidade no inferno, atender celular no cinema.
As igrejas de Pedro e de Paulo continuam competindo, como se viu na escolha do novo papa (estou escrevendo antes da fumaça branca). O que será mais temível, uma vitória de Pedro e dos simples em extinção ou uma vitória de Paulo e sua sede de relevância e poder, já que para as duas igrejas o descompromisso com a lógica das “loucuras” de Deus é o mesmo?
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