Desde que ficou claro que o Banco Central (BC) não usaria, por um bom tempo, a taxa básica de juros (Selic) para combater a inflação, o mercado passou a entender que o câmbio passaria a ser o instrumento usado com essa finalidade, uma vez que o terceiro recurso (o controle da demanda agregada via redução dos gastos públicos) foi abandonado em 2012 e neste ano. O BC reforçou essa percepção entre o início de dezembro, quando atuou de forma firme no mercado para tirar a cotação do dólar do patamar de R$ 2,13, e o fim de janeiro, quando voltou a intervir, desta vez, para apreciar a taxa um pouco mais e estabelecer um "equilíbrio" em torno de R$ 2.
Na semana passada, o presidente do BC, Alexandre Tombini, achou por bem prestar alguns esclarecimentos após o anúncio, pelo IBGE, da inflação de janeiro, que ficou em 0,86%, o maior índice para janeiro desde 2003. De fato, seria desaconselhável que, divulgado o avanço do IPCA, a autoridade monetária se calasse.
Com declarações à imprensa, Tombini procurou coordenar expectativas. Reconheceu o desconforto do BC com uma inflação que, em 12 meses, chegou a 6,15%, valor perigosamente próximo do teto da banda (6,5%), e sinalizou que "está avaliando tudo" ao seu alcance para enfrentar o problema. O mercado entendeu que o Comitê de Política Monetária (Copom) pode elevar a taxa Selic antes do esperado.
Para BC, taxa de equilíbrio do câmbio está em torno de R$ 2
De fato, Tombini teve a intenção de transmitir uma mensagem forte para corrigir a percepção, disseminada nas ruas, de que o BC, pressionado politicamente pelo Palácio do Planalto, está disposto a correr riscos no front inflacionário. O presidente do BC tentou deixar claro que não.
Apesar disso, a estratégia não mudou. Vale o que está na ata da última reunião do Copom: a Selic, que está em 7,25% ao ano, ficará estável por um período "suficientemente prolongado". O Comitê julga que não faz sentido elevar os juros com o Produto Interno Bruto (PIB) rodando bem abaixo do potencial. Promover um aperto monetário agora poderia abortar uma ainda incipiente recuperação da atividade.
Nos cálculos do BC, a inflação em 12 meses recua no segundo semestre, mas antes vai subir mais pouco mais. Convergência à meta no terceiro trimestre está descartada, conforme apurou a jornalista Angela Bittencourt, do Valor. Mas o BC atuará, nesta fase mais difícil, para melhorar as expectativas.
O câmbio ajuda. Depois de sofrer depreciação de 30% entre setembro de 2011 e setembro de 2012, apreciou mais de 6% desde o início de dezembro, quando o BC decidiu interromper a escalada do dólar e acabar com a expectativa de que a taxa iria a R$ 2,30 ou R$ 2,40. A apreciação dos últimos dois meses foi resultado das intervenções da autoridade no mercado.
O jogo é combinado. Para não pressionar ainda mais a inflação, o governo aumentou a gasolina abaixo do que vinha pedindo a PETROBRAS, mas a apreciação do câmbio diminuiu a defasagem dos preços dos combustíveis. O efeito combinado de reajuste com real mais valorizado impulsiona os investimentos da estatal, que, desta forma, dá sua contribuição para o crescimento do PIB. Com a apreciação do câmbio, as importações ficam mais baratas e o Banco Central tem uma ajuda importante para segurar os preços domésticos.
A PETROBRAS vinha pedindo há tempos autorização para reajustar a gasolina. No debate interno, o BC sempre alegou que a gasolina no Brasil é a mais cara da América Latina e que o ideal seria trabalhar os fatores que provocam uma diferença considerável entre o preço na bomba, para o consumidor, e o preço na refinaria. Enquanto este está abaixo dos valores internacionais, o da bomba é altíssimo.
Importadora de óleo diesel, gasolina e PETRÓLEO leve (mais caro), a PETROBRAS sofreu impactos negativos com a maxidesvalorização do real em 2011 e 2012. A defasagem dos preços estava custando a seus cofres prejuízo mensal estimado em R$ 1,8 bilhão, segundo apurou o repórter Fernando Torres, do Valor. Isso certamente diminuiu a capacidade de investimento da estatal, que responde sozinha por cerca de 8% da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) do país.
A taxa de investimento da economia, medida pela FBCF, isto é, pela compra de máquinas e equipamentos e pelos gastos com construção, está em queda há cinco trimestres. O reforço de caixa da PETROBRAS pode ser, portanto, um alento nessa área, dada a sua participação na FBCF.
Economistas da Ibiúna Investimentos estimam que, após o reajuste autorizado há duas semanas, a defasagem do preço da gasolina caiu para 7,5%. Se a taxa de câmbio continuasse apreciando, quando chegasse a R$ 1,90, a diferença cairia para 2,6%. Se caísse para R$ 1,85, hipótese neste momento improvável, a defasagem desapareceria.
O BC foi informado antes do percentual de reajuste da gasolina. Tanto que divulgou o percentual (aproximado para 5%) na última ata do Copom, antes do anúncio oficial do reajuste. O BC ficou sabendo antes também que o corte da tarifa de energia seria maior (de 18%, em média) que o previsto inicialmente. Precisava dessas informações para sinalizar, na ata, que as pressões inflacionárias seriam enfrentadas.
Resumindo o enredo, temos que o BC "concordou" com o reajuste da gasolina, mas convenceu o Palácio do Planalto a não autorizar o reajuste solicitado (15%). Em troca, o governo concordou com uma certa apreciação da taxa de câmbio, o que, por sua vez, ajudou a diminuir a defasagem dos preços dos combustíveis, beneficiando a PETROBRAS e o investimento.
O pano de fundo de toda essa trama é: a taxa de juros baixa, uma das principais bandeiras políticas da presidente Dilma Rousseff, continuará na mínima histórica. Até quando? Por um bom tempo.
A taxa de câmbio já se moveu. Caiu de R$ 2,13 (pico de 2012) para R$ 1,97 na sexta-feira passada. A tendência é que fique em torno de R$ 2. Sempre que houver movimentos bruscos para cima ou para baixo, o BC atuará. Mas uma coisa é certa: neste momento, a política de desvalorização deliberada do real para ajudar a indústria está suspensa. A prioridade neste momento é conter a inflação.
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